24 de junho de 2018

O debate sobre Fake News na Câmara e os riscos de censura prévia

O debate sobre controle de difusão de notícias falsas na internet motivou a criação de mais de 20 de projetos em tramitação na Câmara dos Deputados. O tema foi assunto de uma Comissão Geral (audiência) na Câmara dos Deputados, na manhã desta terça-feira (19), em Brasília. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) foi representado pela sua coordenadora-geral, Renata Mielli, e o secretário-executivo, Pedro Rafael Vilela. 
Clique no link para assistir a íntegra do debate >>>  https://www.youtube.com/watch?v=av6VtZDD7ZQ&feature=youtu.be
Representante da sociedade civil no Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do Tribunal Superior Eleitoral, instituído no ano passado, Thiago Tavares afirmou que os projetos em tramitação procuram responsabilizar as plataformas pelas condutas dos usuários ou criminalizar o cidadão por compartilhar notícias falsas.

“Não conseguimos encontrar, porém, um único PL que atacasse uma das causas do problema, que é o financiamento das notícias falsas como parte de uma estratégia de guerrilha eleitoral”, apontou Tavares.
Alguns partidos e entidades acreditam, porém, que uma nova lei pode interferir na liberdade de expressão e gerar censura e que a legislação atual já traz mecanismos para coibir as notícias falsas. Educação midiática e lei de proteção de dados pessoais são outros caminhos apontados para lidar com problema.
De acordo com a coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli, um dos projetos em análise pretende criar uma tipificação criminal para divulgação e compartilhamento de informação falsa ou sem aprofundamento. “Eu gostaria que algum jornalista pudesse me dizer o que significa uma informação prejudicialmente incompleta”, provocou.
Ainda para Mielli, as outras propostas que tramitam na Casa podem gerar um processo de vigilância em massa dos discursos e das atitudes das pessoas na Internet. “Podem classificar a distribuição de ‘fake news’ na Lei de Segurança Nacional e gerar o risco de autocensura. E colocar as plataformas como promotoras da censura privada, com propostas equivocadas de alteração do Marco Civil da Internet para retirada de conteúdo sem a obrigação da ordem judicial”, alertou.
Segundo a coordenadora do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Bia Barbosa, o projeto de lei de proteção de dados pessoais (PL 4060/12) – aprovado pela Câmara dos Deputados dia 30 de maio e aguardando análise do Senado – poderá garantir o direito à privacidade.
Assim como representantes de outras organizações da sociedade civil no debate, Bia também defendeu a educação dos brasileiros para lidar com a mídia e a aplicação eficaz pela Justiça, na internet, das atuais regras sobre injúria, calúnia e difamação, contidas no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40).
“A única lei em tramitação no Congresso que pode trazer contribuição de fato para o debate é a lei de proteção de dados pessoais”, disse. “É a partir da coleta e do tratamento massivo de dados que se promove a construção de perfis individualizados de cidadãos na rede e é para esses perfis que essas chamadas notícias falsas são disseminadas”, completou Bia Barbosa.
Membro do Conselho de Comunicação Social, Miguel Matos, disse que o tema deve ser melhor debatido antes de ser regulamentado. Porém, o órgão auxiliar do Congresso já traçou algumas premissas para uma futura regulamentação do tema.
Entre elas, a de que não pode haver censura ao regulamentar o tema; e a de que quem deve ser responsabilizado é o autor do conteúdo ou aquele que, sabendo que a notícia era comprovadamente falsa, não tomou nenhuma providência.
Ele apontou ainda que toda retirada de conteúdo deve ser precedida de decisão judicial, conforme já prevê o marco civil da internet (lei 12.965/14), e ressaltou a dificuldade de se conceituar fake news, que não pode por exemplo ser confundida com boato, humor ou com uma notícia mal feita e que contenha erro.
Em discurso lido na reunião, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) se posicionou entre os que defendem a necessidade de estabelecer regras sobre o assunto. “Se as pessoas estão sendo manipuladas por notícias falsas, precisamos encarar este fenômeno e regulá-lo”, pontuou. Em seu texto, Maia convocou os presentes a debater uma “legislação de consenso” sobre as notícias falsas e o discurso de ódio na internet.
O deputado Celso Pansera (PT-RJ), relator de alguns projetos relacionados ao tema, informou que deverá apresentar seu relatório nas próximas semanas. O parlamentar não adiantou o teor do parecer, mas citou como princípios a não responsabilização das plataformas e o uso da legislação atual vinculada a conteúdos online. Ele citou como exemplos o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e os chamados “crimes contra a honra” previstos no Código Penal, como calúnia, injúria e difamação.
O professor de direito da Universidade de São Paulo Daniel Falcão defendeu a atualização da legislação eleitoral, que já lista como crime a difusão de conteúdo “sabidamente inverídico” em propaganda sobre um candidato que possa influenciar o eleitorado. “Temos que atualizar este artigo, colocando a possibilidade da prática na internet e não só na imprensa, TV e rádio. Ao mesmo tempo podemos prever que só não são os atores do jogo eleitoral mas também o eleitor que tem que estar de olho e não repassar notícias falsas”, recomendou.
Críticas
Os participantes também se manifestaram contrários à aprovação de uma legislação para o tema. Um problema apontado estaria na própria definição do conceito de “fake news”. O professor de direito Paulo Rená, que integra a coalizão de organizações da sociedade civil Direitos na Rede destacou a dificuldade em delimitar este tipo de conteúdo e criticou as definições adotadas nas propostas em tramitação na Câmara. “Temos Projetos de Lei que tentam tipificar [fake news] por meio de categorias imprecisas”, disse.
A representante da ONG Artigo XIX, Laura Tresca, lembrou que essas leis baseadas no conceito de notícia falsa foram criticadas em manifesto lançado por relatores para a liberdade de expressão de organismos internacionais como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgado no ano passado. “Proibições genéricas sobre disseminação de informação baseada em conceitos vagos como notícias falsas e informação não objetivas são incompatíveis com os parâmetros internacionais de restrição do direito da livre expressão”, defendeu.
O professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie Diogo Rais alertou para o risco de uma legislação repressiva. “Se uma lei for muito específica, ela poderá trazer silêncio à comunidade. Se ela for vaga, provavelmente deixará mais espaço para o Judiciário, e por mais que respeite este Poder não podemos depender dos milhares de juízes com milhares de decisões, a cada caso de um jeito”, ponderou.
O editor do site Migalhas.com e integrantes do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional Miguel Matos somou-se aos preocupados com o risco de uma legislação estimular práticas de censura “Se houver mecanismo de censura, se cada um que se vir ofendido por uma notícia que aparentemente é distorcida isso vai ser mais prejudicial do que eventuais problemas na eleição”, comentou.
“Tudo o que as Fake News não são é um fenômeno novo. Tá certo que elas ganharam maior poder de disseminação por meio das plataformas da internet, mas notícias falsas, manipulação de informação e desinformação sempre ocorreram na sociedade e, lamentavelmente, muito disso se deve ao comportamento da grande mídia, a chamada mídia tradicional, porta-voz histórica de graves casos de disseminação de informações parciais, imprecisas e, em muitos casos, claramente manipuladas. Num ambiente midiático de pouca diversidade, de baixa pluralidade, Fake News fazem mal à democracia e não é de hoje”, apontou Pedro Rafael Vilela, do FNDC. Conforme enfatizou, o sistema de comunicação brasileiro é extremamente monopolizado, centralizado em poucos grupos econômicos, e esse ambiente contribui para a divulgação de informações parciais e manipuladas.
Na visão de Vilela, a manipulação de notícias por esses grupos já interfere no debate político há tempos. Ele criticou ainda o controle por parlamentares de concessões públicas de canais de rádio e TV, o que seria vedado pela Constituição.  
Experiências internacionais
Enquanto alguns participantes citaram experiências internacionais como referências positivas, outros criticaram a intenção de regular o tema aqui mencionando problemas em iniciativas estrangeiras. O diretor da ONG SaferNet, Tiago Tavares, chamou a atenção para repercussões negativas de legislações adotadas em outros países.
Segundo Tavares, na Alemanha, a lei estaria sofrendo problemas de implementação e já seria objeto de revisão dentro o governo. Na Malásia, onde a prática foi criminalizada, um turista dinamarquês foi preso porque publicou em uma rede social mensagem sobre o tempo de atendimento de uma ambulância que teria sido diferente do efetivamente ocorrido. “É difícil chegar a uma boa regulação considerando a dinâmica própria da internet e o avanço da tecnologia”, opinou.
A definição da “verdade”
Outra parte das críticas sobre a ineficácia de uma legislação mirou a complexidade de definir o que é falso. A diretora do centro de estudos Barão de Itararé, Renata Mielli, alertou para o risco da criação de “tribunais de exceção” tanto em uma possível lei a ser aprovada quanto no uso de agências de checagem para definir o que é ou não “Fake News”. “O problema é tentar transformar essas agências em certificadoras de notícias, a partir de critérios de classificação que são subjetivos e passíveis de interpretação a partir de valores e vieses editoriais”, pontuou.
Recentemente, o Facebook firmou contrato com três agências (Lupa, Aos Fatos e Agência France Press) para analisar publicações. De acordo com a plataforma, aqueles conteúdos identificados como falsos teriam alcance reduzido.
Plataformas
A gerente de políticas públicas do Facebook no Brasil, Mônica Rosina, apresentou as medidas adotadas pela rede social acerca do problema. Além do acordo com agências de checagem de fatos, afirmou que há mais de 15 mil funcionários trabalhando no monitoramento de contas falsas, muitas vezes usadas para impulsionar notícias falsas. Segundo Rosina, a empresa está combatendo conteúdos considerados “caça-cliques”, que usam títulos chamativos para gerar tráfego para determinados sites.
Além das fake news
O promotor do Ministério Público do DF e Territórios e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital, Frederico Ceroy, questionou o fato da discussão no parlamento estar muito centrada nas fake news e não prestar atenção a outros temas, como a propaganda eleitoral paga em plataformas como Facebook e Google.
“Fake news é instrumento de perda de votos. O que ganha eleição é outra coisa. Fico preocupado porque esta será a primeira eleição com conteúdo impulsionado de forma legal e isso é um problema maior do que as notícias falsas”, disse.
A coordenadora do Coletivo Intervozes, Bia Barbosa, somou-se aos contrários a uma legislação sobre mensagens falsas e defendeu que o problema pode ser melhor tratado com a aprovação de uma lei de proteção de dados pessoais. No mês passado, a Câmara aprovou o PL 4060, de 2012, que foi encaminhado ao Senado.
“É a partir da coleta e tratamento massivo de dados que se promove a construção de perfis de cidadãos e é para esses perfis que as chamadas notícias falsas são direcionadas. Europa teve seu regulamento de dados pessoais entrando em vigor em maio e agora há a necessidade do Congresso concluir este debate e aprovar a lei”, destacou.

Fotos: Assessoria PT na Câmara
Do FNDC

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