O PT manifestou no início de março apoio ao Projeto de Lei de
Iniciativa Popular para um novo marco regulatório das comunicações,
capitaneado pelo FNDC. Em entrevista, o presidente do partido, Rui
Falcão, lembra que a regulação foi resolução de conferência nacional e
que discutir o marco regulatório representa ampliar a democracia. Para
ele, o governo tem uma dívida com a sociedade.
Logo após a divulgação, no início de março, da nota pública do
Partido dos Trabalhadores (PT) intitulada “Democratização da mídia é
urgente e inadiável”, os veículos que compõem o monopólio da comunicação
no Brasil trataram a iniciativa do partido como censura. Em entrevista
ao FNDC, o presidente do partido, Rui Falcão, destaca que discutir o
marco regulatório representa exatamente o contrário: ampliar a
democracia. Para ele, o governo mantém uma dívida com a sociedade ao não
adotar a regulação definida pela Conferência Nacional de Comunicação
(Confecom).
O presidente do partido destacou, ainda, que a legenda pede o
cumprimento dos artigos da Constituição que proíbem a existência de
monopólios e oligopólios e a aplicação da complementaridade, ou a
convivência de três tipos de sistema de comunicação.
Para Falcão, a resistência à regulamentação será vencida por meio da
formação do conjunto da sociedade sobre o tema, e que as ações dos
movimentos sociais pela democratização da comunicação devem dialogar com
a população e conseguir assinaturas para o projeto de Lei de Iniciativa
Popular - esclarecendo a opinião pública sobre as mudanças “difíceis”,
pois “mexem com interesses poderosíssimos e que hoje estão interditando o
debate político mais livre na sociedade”.
Leia abaixo a entrevista.
FNDC – Por que precisamos de um novo marco regulatório no Brasil?
Rui Falcão – Todos os países têm algum tipo de
regulação sobre os meios eletrônicos e não é cerceamento, ao contrário,
procuram corresponder ao fato de que o direito à informação, à
liberdade de expressão, é também um direito individual. Mas, com os
meios modernos de comunicação, com a convergência das mídias, cada vez
mais esse direito é interativo, coletivo e social. É preciso que o
Estado, em nome da sociedade, fixe parâmetros e regras que não implicam a
restrição de conteúdo, mas normas de funcionamento para esses meios,
que são cada vez mais poderosos, formam opiniões e difundem interesses.
Em todos os países há alguma regulamentação para os meios eletrônicos.
No Brasil, a Constituição fixou algumas regras para os meios de
comunicação: os artigos 220, 221,222 e 223. O que temos defendido é que o
marco regulatório deve se restringir ao que está escrito na
Constituição e carece de regulamentação. Sei que na sociedade há
propostas que extravasam isso. Esse debate foi feito na Conferência
Nacional de Comunicação, que estabeleceu uma série de compromissos para o
governo, você tinha a Lei de Imprensa, de 1969, que foi derrubada pelo
Supremo, tem o Código Brasileiro de Telecomunicações, que já completou
mais de 50 anos e é de uma época em que não havia nem internet. Até para
atualizar a legislação você precisaria de um marco regulatório.
FNDC - O que o PT defende na prática?
Rui Falcão – Primeiro, que se cumpram os artigos da
Constituição que proíbem a existência de monopólios e oligopólios e a
aplicação da complementaridade, a convivência de três tipos de sistema
de comunicação: o privado, que predomina no Brasil e não vai ser
desapropriado, nem seus conteúdos serão cerceados; o estatal e o setor
público, que também deveria conviver nessa tríade. É preciso estimular o
surgimento de um setor público, ter novas normas e leis que protejam as
rádios comunitárias para que não aconteça como atualmente, em que boa
parte funciona ilegalmente. A própria normatização das TVs abertas exige
um percentual de conteúdo nacional e, para isso, precisa produzir um
conteúdo que atenda à complexidade do país, as culturas, os sotaques.
Com relação à mídia impressa, não há nenhuma interferência do marco
regulatório, a não ser a discussão se é necessário ou não uma lei
específica para o direito de resposta, que não tem relação direta com o
marco regulatório. A revogação da Lei de Imprensa deixou um vazio
jurídico. Pessoalmente, entendo que deveríamos ter uma lei específica
que não jogasse sobre o jornalista e sim sobre as empresas a
responsabilidade sobre reparações financeiras. Também seria importante
os jornalistas apoiarem esse movimento, que significa mais empregos e
melhores condições de trabalho e permitiria estabelecermos um código de
ética que fosse aceito nas empresas com direito de objeção de
consciência - o jornalista não ser obrigado a fazer determinadas
matérias que violem suas convicções.
E é importante enfatizar cada vez mais que isso não diz respeito a
nenhum cerceamento de liberdade de expressão, não estamos propondo
orientar as matérias que os jornalistas produzem e nem suprimir a
oposição pela regulamentação dos meios. Se pode haver algum tipo de
restrição, é aquilo que está previsto na Constituição.
FNDC - O secretário-executivo do Ministério das Comunicações,
Cesar Alvarez, disse que o governo não discutirá o marco regulatório.
Como fazer para o governo mudar de opinião?
Rui Falcão – Na reunião do diretório no início
de março, fizemos um apelo ao governo para que reconsidere essa
decisão. E o próprio Congresso Nacional, se quisesse, poderia
regulamentar os artigos da Constituição independentemente do Executivo.
Mas não parece ser esse o quadro no Congresso, tanto que tivemos, um dia
depois da nossa decisão de apoiar a iniciativa popular da CUT e do FNDC
de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, um dirigente do PMDB
dizendo que é totalmente contrário a esse tipo de política que
defendemos. Há setores do Congresso que se opõem a essa regulação e por
isso não se faz. Há propostas, por exemplo, de que político não seja
proprietário de meio de comunicação. É evidente que se isso fosse lei
você precisaria de um tempo para que o político ou desistisse do mandato
ou transferisse para outra pessoa a propriedade. Porque o argumento é
que quem autoriza e renova concessão, no caso dos meio eletrônicos, não
pode conceder pra si mesmo, mas sabemos que há resistência.
FNDC - E como se vence essa resistência?
Rui Falcão – Através da pressão da sociedade. É uma
luta de muitos anos que vem sendo travada por dezenas de entidades e
acho que ganhou novo impulso porque parece que há o desejo de grandes
entidades de levarem essa campanha pra rua. E é bom que se diga, ninguém
vai mexer com o futebol na TV, ninguém vai acabar com as novelas. Ao
contrário: em vez de acabar com o futebol, tem que democratizar a
possibilidade de mais gente transmitir as partidas.
São coisas assim de senso comum, mas acho que a campanha da CUT, do
FNDC, do Intervozes, das dezenas de blogueiros e entidades que lutam
pela democratização da comunicação têm de dialogar com a sociedade e
conseguir assinaturas e ganhar opinião pública para essas mudanças que
são difíceis, mexem com interesses poderosíssimos e que hoje estão
interditando o debate político mais livre na sociedade.
Estamos vivendo o período mais longo de democracia no Brasil e há
mudanças que são urgentes e inadiáveis, e uma delas é o alargamento da
liberdade de expressão. Estamos há anos falando da democratização da
comunicação e fica parecendo que não vamos conseguir isso tão cedo, mas a
pressão da sociedade e a influência das mídias digitais, a sociedade em
movimento, uma grande ascensão social pode mudar a cabeça das pessoas.
Por isso a importância dessa campanha ir pra rua, pedir assinaturas,
porque cada assinatura requer uma informação, é a sociedade fazendo
política.
FNDC - Qual a avaliação que o senhor faz a partir dos governos Lula e Dilma sobre o interesse em democratizar a comunicação?
Rui Falcão – Primeiro, de que não há repressão sobre
jornalistas e imprensa. Não há uma atividade de censura, uma invasão de
empresa jornalística, um jornalista perseguido. Segundo, aprovamos a Lei
de Acesso à Informação, que é um passo importante para democratizar a
comunicação oficial, que sempre foi muito fechada. Terceiro, a
veiculação de publicidade oficial se espalhou bastante. Essa também é
uma postura que favorece ter mais liberdade de expressão no Brasil.
Diminuiu muito a perseguição às rádios comunitárias, algumas TVs tiveram
autorização para funcionar, como a TVT, que está prestes a conseguir
instalar uma antena na Paulista e poderá atingir toda a região
metropolitana. Houve a criação da TV Brasil. São avanços ainda
insuficientes, mas que, comparados ao período anterior, são avanços.
Como a realização da Conferência Nacional da Comunicação que, apesar da
oposição de setores da grande imprensa, foi um sucesso. Uma das
propostas era, inclusive, a construção de um marco regulatório. E isso o
governo está devendo, sua própria deliberação.
FNDC - Em evento recente da CUT, o presidente Lula defendeu
que os movimentos sociais se articulassem para a construção de uma mídia
própria. Mas como é possível vencer esse gargalo se os critérios
técnicos de publicidade federal acabam ainda beneficiando os monopólios e
o acesso às concessões de rádio e TV por essas organizações ainda é
muito difícil?
Rui Falcão – Quanto mais o campo popular puder reunir
suas publicações, seus veículos eletrônicos para ter conteúdo
semelhante, eu acho positivo. Mas não creio que esse seja o caminho
alternativo à criação de um marco regulador. Cada publicação e cada
veículo tem sua linha, representa seus segmentos, representa categorias
profissionais, fica difícil ter pauta unificada. Quanto mais sinergia
puder haver entre esses veículos, melhor, mas não creio que isso seja um
contraponto ao monopólio. Eu acho que deveriam ser revistos os
critérios para termos a possibilidade de novas concessões, e é preciso
reorientar, sem favorecer, os critérios de veiculação.
do FNDC
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