3 de julho de 2011

Um outro mundo possível

Reproduzo artigo publicado por Denise Queiroz no Teia Livre 
É possível ensinar e aprender sem os ranços com que a instituição escola foi fundada? É possível que todas as matérias (geografia, história, ciências, línguas) sejam passadas sem as amarras das fronteiras que os idiomas e os limites territoriais nos impõem? Ali, pertinho de Sampa, pertinho mesmo (81 km), menos de uma hora, talvez um pouco mais em alguns horários ou dependendo da meteorologia, estão 13 hectares da prova que sim! Em meio a uma APP, respeitada como todas deveriam ser, no município de Guararema, o Movimento Sem Terra plantou uma de suas melhores conquistas.

A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) começou a ser viabilizada em 1996 a partir da necessidade de formação dos incansáveis sem-terra, pessoas oriundas em sua maioria do campo, que, como herança de séculos de governos oligarcas, tinha inúmeros participantes analfabetos ou semi-alfabetizados. Isso como base, mas a formação política e teórica também estão nesses alicerces construídos por 1.200 trabalhadores que, em brigadas de 60 a cada vez, se turnaram e ergueram o complexo edílico, tijolo a tijolo, literalmente. Enquanto trabalhavam, tinham aulas e puderam voltar aos seus acampamentos já com o conhecimento necessário para poder aceder às letras que sua vida testemunhava desde sempre.


O pontapé inicial veio através de Sebastião Salgado, o fotógrafo dos movimentos humanos, e também de Chico Buarque e José Saramago, que doaram a renda de um livro. Arquitetos doaram trabalho e a planta que reúne características necessárias ao bem conviver: espaços amplos, arejados, inundados de sol. E baseados na permacultura, ou seja, aproveitamento dos materiais disponíveis na região, energia solar, reaproveitamento de tudo, seja para adubar a horta, seja a água...

Por ali, desde o ano 2005, quando finalmente foi inaugurada, já passaram mais de 1.600 professores, que ministram ou aprendem técnicas de ensino para aplicar nas 1.250 escolas de nível primário coordenadas pelo MST, responsáveis pela formação de mais de 120 mil crianças em todo o país.

Como assegurou Geraldo Gasparin, um dos coordenadores da Escola, a educação é prioridade do Movimento Sem Terra, mesmo diante das péssimas condições que as – ainda - 1.200 famílias que aguardam assentamento vivem. “Trabalhamos para erradicar o analfabetismo na base do movimento”.

O ensino é multidisciplinar, como deve ser, englobando e interligando todas as áreas do conhecimento teórico aliadas à prática do trabalho. Cada grupo oriundo de organizações sociais da América latina, África ou outra parte deste vasto mundo, além da formação teórica, trabalha na manutenção do cotidiano da escola.

Complexo

Ao entrar nos deparamos com um enorme edifício, que é o refeitório do tipo “self service” com capacidade para 250 pessoas. A comida servida ali vem da horta e de convênios que a escola mantém com cooperativas e assentamentos. De ótima qualidade, diga-se de passagem!

Descendo uma escada interna, feita com a madeira doada pelo governo Jackson Lago do Maranhão - de uma apreensão de madeira ilegal feita pelo IBAMA na época da construção e que foi utilizada em todos os edifícios da Escola -, acede-se a um pátio coberto e deste a outras salas. A Biblioteca tem 40 mil volumes, doados por simpatizantes do movimento ou seus herdeiros. “O único livro que compramos foi um dicionário de inglês”, contou Geraldo. Uma lojinha onde além de artesanato, camisetas, chapéus, bonés, chinelos e livros, muitos livros, alguns que não se encontra nas prateleiras das grandes livrarias... E também auditório com capacidade para 250 pessoas, banheiros, zona de wi-fi, telecentro, salas de aula. Dali também se vê o jardim, onde as diversas árvores da flora brasileira são simbolicamente plantadas pelos visitantes, para que dêem frutos e espalhem sementes!

Andando um pouco para os lados da mata, estão os alojamentos, depois o campo de futebol, a enorme e bem cuidada horta, os espaços de convivência, os espaços de celebrações ao ar livre. Mais acima, num edifício pré-existente no terreno, o centro de cinema, que é um ponto de cultura, onde são produzidos os documentários que servem tanto para as aulas quanto para a interação que a escola faz com a comunidade vizinha e as escolas do município.

Os alojamentos – que pela procura e pela qualidade dos cursos deverão ser ampliados – agora acomodam confortavelmente 250 pessoas e em alguns momentos, quando há eventos, mais de 300, com abertura de alguns dos prédios para dormitório para um final de semana, ou com a armação de barracas nos enormes espaços verdes que rodeiam os prédios.

Trocas e conhecimento

O objetivo destas visitas que a escola promove – paga-se 50 reais o que inclui transporte de ida e volta e alimentação – é, além de divulgar o excelente trabalho realizado por lá (onde integração de conhecimentos é a base) conseguir simpatizantes e membros para a Associação de Amigos, para manter a escola. O custo de manutenção gira em torno de R$ 100 mil mensais, a maioria proveniente de Ongs, sindicatos e do próprio MST, que entra com a maior parte da verba, além dos associados.

O grupo que integramos neste sábado, organizado pelo cientista social e ativista digital Sergio Pecci, o @M100globope, contou com a valiosa e honrosa presença do professor Miguel Nicolelis, que doou exemplares de seu livro à biblioteca, do frei João Xerri (Grupo Solidário São Domingos, movimento ligado à antiga Juc), de vários integrantes do portal #Teialivre e da #Redeliberdade, blogueiros e tuiteiros que tivemos a oportunidade de conhecer e vivenciar um pedacinho desse mundo que, pode parecer um tanto utópico para quem vive na correria das universidades e escolas urbanas, mas real e fundamental para que os movimentos populares sejam entendidos e estendidos ao contexto de mudança nas relações que se estabelecem a partir da educação orientada para a prática de uma nova realidade social que se desenha.

Mais infos e como ajudar a manter : http://amigosenff.org.br/site/  Clique nas fotos para ampliar.


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