Foto de Nuno Ferreira Santos
O Processo põe a câmara dentro do Senado brasileiro e acompanha a construção de uma narrativa que, de tão incrível, parece mais fictícia do que real. O documentário de Maria Augusta Ramos teve a sua estreia portuguesa no IndieLisboa, onde será exibido novamente este domingo.Por Maria Mendes - Quando decidiu ir a Brasília filmar o processo de impeachment de Dilma Rousseff, a uma semana da inacreditável votação na Câmara dos Deputados que exporia ao mundo o estado deplorável do Congresso brasileiro, Maria Augusta Ramos não acreditava que a denúncia seria acatada. Dois dias depois de "sentir a necessidade de filmar”, como define, desembarcava na capital com recursos próprios, a contar apenas documentar aquele momento político. Na sequência da votação, decidiu ficar. Só se foi embora seis meses depois.
O que se desenrolou a partir dessa votação, entretanto, deixou imediatamente de ser surpresa: era claro que o resultado já estava conhecido antes mesmo de se cumprirem as etapas protocolares até à decisão final.
Assim como no texto homónimo de Kafka, não à toa escolhido como título deste filme que acaba de ganhar o principal prémio do festival suíço Visions du Réel, O Processo mostra o percurso da acção penal sobre um indivíduo. Todas as bases sobre as quais as acusações de crime se sustentam são turvas, frágeis, duvidosas e, a partir de um certo ponto, claramente absurdas. “Em alguns momentos fiquei completamente confusa, porque é um processo kafkiano”, conta a realizadora ao PÚBLICO, num intervalo da sua passagem pelo IndieLisboa, onde o filme teve a sua estreia portuguesa e volta a ser exibido este domingo (Cinema São Jorge, 19h). “Era importante retratar esse aspecto, porque foi a minha vivência durante o processo. Chega um momento em que você não sabe mais o que está sendo discutido, e não importa. É simplesmente a retórica pela retórica, o sistema perverso pelo sistema perverso”, completa. “Dilma não estava sendo julgada, aquelas pessoas já sabiam como iam votar.”
Justamente por isso, houve no filme a preocupação de explicar com clareza as acusações, para que ficasse o mais exposta possível a estrutura do que estava em jogo. “Fomos construindo o filme para ter esses argumentos, uma contra-narrativa, que é a da esquerda, e que desconstrói a da direita, até então a única naquele momento, em prol do impeachment; daí as cenas em que se discutem os decretos e as 'pedaladas [fiscais, a principal acusação contra a então Presidente do Brasil]. E fazer isso de maneira a que as pessoas leigas consigam entender. Chegar a uma essência do que eram as acusações, e não ficar naquele mar nebuloso, distorcido, em que é tudo crime, corrupção e ninguém sabe do que se trata.” Continuar a Ler
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