26 de julho de 2015

Democratização da comunicação: o que aprender com nossos vizinhos?

Não há democracia genuína sem democratizar os meios de comunicação. A afirmação, feita pelo sociólogo argentino Atilio Borón nesta quinta-feira (23/7), vai mais longe: para ele, é necessário favorecer o surgimento efetivo de mais “vozes” na mídia a partir dos povos, para evitar que se substitua a atual “ditadura da informação dos grandes monopólios privados” por uma nova “ditadura de tecnocratas do Estado”, ainda que sejam bem-intencionados e com o “coração de esquerda”. Borón fez a palestra de encerramento do primeiro Congresso Internacional “Comunicação e Integração Latino-Americana desde e para o sul”, realizado esta semana em Quito, em comemoração aos dez anos da Telesur, completados nesta sexta-feira.
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Ainda que a oligopolização da mídia seja uma situação histórica e estrutural na região, desde a década passada há uma urgência ainda maior pela democratização de fato. Isso porque surge, segundo vários participantes do evento, um novo tipo de golpe de Estado no continente: o golpe midiático.

Os meios de comunicação na América Latina se converteram em partidos políticos orgânicos, articulando politicamente a direita, concordam Borón e Ignacio Ramonet, jornalista e professor espanhol que fez a conferência de abertura do congresso.
Para Ramonet, a maior batalha enfrentada na América Latina atualmente é a batalha midiática. Ambos lembraram dos casos de Honduras (2009), do Paraguai (2012) e de ataques mais recentes contra governos do Brasil e da Argentina.
O foco do evento foi o intercâmbio de experiências sobre a formulação das políticas de comunicação na América Latina e sobre a luta em defesa da comunicação como um direito humano. Para o Brasil, esse diálogo é muito importante.
O país vive, conforme o colombiano Omar Rincón, uma situação de extremos: tem a melhor lei de internet (o Marco Civil) e a pior situação de regulação da “velha mídia”. A avaliação é repetida por Osvaldo León, do México, para quem o Brasil está “na retaguarda da democratização dos meios” no continente.
Se agora estamos na retaguarda, há que se avaliar os aprendizados possíveis com políticas que vêm sido realizadas nos últimos anos em países como Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela. O Equador, anfitrião do evento, já conta com muitas experiências a compartilhar.
Em 2013, o país aprovou sua lei orgânica de comunicação, sob muitos protestos do empresariado midiático. Não é por menos: a lei combate os oligopólios do setor, estabelecendo um limite rígido à propriedade cruzada – apenas uma licença de rádio AM, FM e de TV por pessoa física ou jurídica. Além disso, a nova norma prevê uma distribuição proporcional dos espectros de radiofrequência, com reserva para a comunicação comunitária (34%), estatal (33%) e para a mídia comercial (33%).
A nova regulação prevê, ainda, a descentralização da publicidade oficial – uma das principais formas de financiamento da mídia de pequeno porte. Há, também, medidas para incentivar a produção audiovisual nacional e produção independente local.
Para a comunicação comunitária, algumas “ações afirmativas” estão previstas na nova legislação, como crédito preferencial para a criação desses meios e para a compra de equipamentos, isenções de impostos para a importação de aparelhos e acesso à capacitação para a gestão técnica, administrativa e de comunicação.
Para garantir a aplicação da lei, foi criado um Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Informação e da Comunicação (CORDICOM), com participação social. Para fiscalizar e promover o direito à comunicação, criou-se uma Superintendência da Informação e da Comunicação (SUPERCOM). Esse arcabouço institucional contrasta com o do Brasil – onde o sentido das instituições ligadas à comunicação não é a defesa da democratização da palavra e os conselhos estão longe de representar a população.
O país avançou, também, na comunicação estatal. Surgiu a agência de notícias Andes, além TV e rádio públicas e um jornal impresso, El Telégrafo, separados dos veículos governamentais já existentes – como El Ciudadano.
A programação educativa da rede pública, inspirada na dinâmica dos canais estatais argentinos, é concebida pelo Ministério de Educação, mas produzida em parceria com empresas audiovisuais do país e orientada pelo pluralismo. Isso contribui para a promoção de novos agentes comunicativos, que poderão atuar para além dos canais estatais. Já a da mídia governamental se concentra de fato nas ações do Poder Executivo.
O reconhecimento do direito à comunicação e da necessidade de promover ativamente a liberdade de expressão dos que nunca tiveram voz são alguns dos aprendizados dos processos – ainda bastante recentes – de democratização da comunicação no Equador.

Iniciativas de integração no continente

Desde o golpe de Estado frustrado contra o presidente venezuelano Hugo Chávez, em 2002, orquestrado pelos oligopólios de mídia do país, ficou notória a necessidade de criar meios que permitissem a circulação de outras informações e outros sentidos. A iniciativa mais significativa foi o surgimento, três anos depois, do canal Telesur.
A Telesur é um canal multinacional de iniciativa do governo venezuelano em conjunto com governos de Cuba, Uruguai e Argentina, e com a participação posterior de Bolívia, Equador e Nicarágua. Ignacio Ramonet considera o maior mérito da Telesur a apresentação de outra visões sobre os acontecimentos da América Latina e do mundo.
O conteúdo do canal não se restringe aos países-membros: os conflitos militares com as FARC, na Colômbia, o ataque à Líbia pela OTAN, o golpe em Honduras e a crise financeira da Grécia são exemplos de coberturas importantes . Além do décimo aniversário, a Telesur celebrou, nesse dia 24 de julho, um ano de produção de conteúdos em inglês.
Outra importante iniciativa de integração da comunicação é a União Latino-Americana de Agências de Notícias (ULAN). A entidade, que surgiu em 2011, reúne todas as agências de notícias estatais ou públicas existentes nesses territórios: Agencia Venezolana de Noticias, Prensa Latina (Cuba), Agencia Andina (Perú), Agencia Boliviana de Información, Agência Brasil (da Empresa Brasil de Comunicação, EBC), Notimex (México), Agencia Guatemalteca de Noticias, Agencia de Información Paraguay, Andes (Equador) e Télam (Argentina).
Seu principal objetivo seria “promover a democratização da comunicação na América Latina e contribuir para a integração regional dos povos”. Este ano, a ULAN lançou o portal de notícias Ansur.am, reunindo informações de todas as agências.
Os países da América Latina devem atentar para a importância estratégica da comunicação para a integração regional. Criar iniciativas que façam circular outros discursos e outros sentidos é vital para contrapor a violência exercida pela monopolização da informação. É vital estabelecer um diálogo permanente entre os agentes que defendem essa pauta na América Latina, para o fortalecimento das iniciativas em defesa do direito à comunicação.
O congresso em Quito representou um importante momento desse diálogo. Sua próxima edição, prevista para julho do próximo ano, também no Equador, terá como tema a comunicação popular e a participação social – importante desafio para o avanço da agenda da democratização dos meios de comunicação.

* André Pasti é geógrafo, mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas e doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo.

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