A prisão do ex-ministro José Dirceu recebeu uma cobertura midiática
semelhante à posse de um presidente da República. Consome-se o martírio
do ex-guerrilheiro José Genoino como a uma partida de futebol, nas
páginas da imprensa conservadora. Vê-se o relator da Ação Penal (AP)
470, ministro e atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
Joaquim Barbosa, de camisa pólo, cair no samba, apesar das vaias, como
evento de campanha em pleno ano eleitoral. Percebe, então, grande parte
dos brasileiros, que a poeira levantada por tantas manchetes e extensas
reportagens nos canais da TV aberta já começa assentar e deixar à mostra
a silhueta disforme do engodo, da grande lorota que sustentou o
conhecido julgamento do ‘mensalão’.
Com o passar dos dias e a tenaz resistência da mídia independente,
fica mais clara a intenção do escândalo, originário de uma acusação
astuta do ex-deputado Roberto Jefferson. De sua bucólica residência na
Região Serrana do Rio, de onde há quem aposte que o líder do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) não sairá para uma cela fétida do sistema
prisional, Jefferson sustenta enquanto pode a versão de que dinheiro
público sustentou um suposto esquema de compra de votos de deputados, e
nenhum senador, para apoiar o governo do então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Nem ele aguenta mais ouvir o som da própria voz a repetir
o bordão que desaguou no ‘julgamento do século’. Mentira tem pernas
curtas e som estridente.
No STF, pingo é letra
Ao ‘esquecer’ de assinar o mandado de prisão do ex-presidente da
Câmara João Paulo Cunha, antes de sair para as férias no apartamento que
comprou em Miami com dinheiro da empresa sediada no apartamento
funcional que ocupa, em Brasília, Barbosa deixa uma trilha de migalhas
no labirinto da potoca, enquanto ensaia a saída à francesa, de fininho,
para uma possível candidatura em outubro deste ano, sabe-se lá a quê.
Até quem é bobo já percebeu que a Rede Globo anda meio de lado
quando o assunto é ‘mensalão’. Com a audiência em franco declínio,
frente ao crescimento fantástico da internet no Brasil, os velhos
próceres da mídia são vencidos, dia após dia, por um exército de
abnegados jornalistas, gente de bem que se recusa a ver o Brasil
entregue às baratas. Estes profissionais, hoje, formam a opinião do
público que circula pelas redes sociais e espraia-se nas ruas, nos
cafés, no cotidiano do país. Por maior que seja o esforço dos
tradicionais parceiros da iniquidade, beira o impossível a tarefa de
seguir vendendo a tese de que havia dinheiro público no tal ‘mensalão’ e
que esse dinheiro servia para comprar a consciência de parlamentares da
base aliada ao governo.
Esse é um daqueles casos emblemáticos na História brasileira.
Enquanto Dirceu resiste na prisão, em regime fechado quando deveria ser
nenhum ou, no máximo, semiaberto, fica mais ostensivo o viés político da
sentença que o atingiu. Mas o tempo passa e, nesse caso, cada dia conta
a favor daqueles que, entrincheirados no quintal da Corte Suprema,
mostram a verdadeira estrutura da trampolinice montada para atingir o
projeto de poder do Partido dos Trabalhadores (PT) e de parte da
esquerda brasileira. Desde a abertura das urnas, em 2012, percebe-se que
o plano falhou. Tentam, os ideólogos da direita, aproveitar o que resta
desta pauta malfadada enquanto Roberto Jefferson não desdiz tudo o que
garantiu, em juízo, contra os adversários de outrora. Sim, porque basta
ele dizer, publicamente, que mentiu com o objetivo de provocar uma
situação política adversa ao então recém-empossado torneiro mecânico,
terror das velhas oligarquias, para cair por terra o conto da carochinha
chamado ‘mensalão’.
Um retrocesso no depoimento de Jefferson significaria, de pronto, a
desmoralização absoluta do STF, motivo mais do que suficiente para se
compreender porque tamanha docilidade do implacável Barbosa quanto ao
réu, que segue na feliz e prosaica estadia, em sua aprazível Levy
Gasparian. Mesmo que leve para o túmulo a história inventada entre um
solfejo e outro, o tenor assiste à desconstrução do conto pela pilha de
documentos que, agora, começam a ser traduzidos do juridiquês e
levados ao conhecimento da Opinião Pública, pelas páginas da imprensa
independente. O ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e o dossiê que carrega com ele, na Itália, que o digam. A revista editada por João Paulo Cunha e apensada aos anais do Congresso, base de sua defesa em um eventual processo de cassação do mandato,
é outro petardo apontado para o prédio no outro lado da rua, onde
nenhum dos juízes que votaram com Barbosa, certamente, gostaria de estar
quando for disparado.
Assim, de uma forma ou de outra, a Suprema Corte vê-se combalida, com
sua imagem arranhada diante dos fatos que, por serem fatos, dispensam
mais argumentos.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
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