Quando os professores da rede municipal entraram em greve
no dia 8 de agosto, eles tinham uma extensa pauta de reivindicações,
que incluía, por exemplo, a aplicação de 25% do orçamento municipal
diretamente em educação (como manda a Constituição), a redução do número
de alunos em sala de aula, a climatização das escolas (promessa de
campanha de Eduardo Paes), a melhoria estrutural das escolas, a volta do
6º tempo de aula (para que os alunos tenham a mesma carga horária de
escolas privadas ou da rede federal), o fim da política de meritocracia
na rede pública, 1/3 da carga horária para planejamento e a elaboração
de um Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCR) unificado para todos
os profissionais da educação. Durante o mês de agosto, o SEPE (sindicado
dos profissionais da educação) e os representantes do governo (Cláudia
Costin, Pedro Paulo, Eduardo Paes) se reuniram diversas vezes para
negociar. A cada negociação, foram assinadas atas
de compromisso, que o Sindicato levou para a sua base, para que esta
avaliasse as propostas do governo. Vale lembrar que essas propostas não
pressupunham sua aplicação imediata, mas sim a abertura de discussão –
por meio de Grupos de Trabalho (GT’s) – para que se chegasse a um
calendário de efetivação das reivindicações da categoria.
Com o aparente avanço nas negociações, a categoria decidiu retornar ao trabalho,
no dia 10/09, dando um voto de confiança à gestão Paes/Costin. Nós
trabalhamos do dia 11 ao dia 20 de Setembro, aguardando o avanço das
reuniões dos GT’s e a elaboração do nosso PCCR. Durante esse período, os
representantes do SEPE não foram convidados para discutir as diretrizes
do plano. No dia 16/09, o prefeito Eduardo Paes apresentou, em um almoço fechado, sua proposta
aos vereadores de sua base aliada, sem dar a chance para que os
vereadores de oposição ou o Sindicato e a própria categoria tomassem
conhecimento do conteúdo do plano, antes que este fosse enviado à Câmara
dos Vereadores para ser votado em regime de urgência. O regime de
urgência, aliás, era uma demanda dos professores, para evitar a
enrolação na aprovação do plano, mas, até aí, ninguém tinha conhecimento
de seu conteúdo.
A proposta do governo foi enviada ao SEPE no dia
17/09 – mesmo dia em que foi enviada, em definitivo, à Câmara dos
Vereadores. A base aliada do governo propôs algumas emendas, mas nem
isso foi suficiente para frear a insatisfação dos professores. No dia
26/09 ocorreu a primeira tentativa de aprovação do PCCR, mas os
professores decidiram ocupar
o Palácio Pedro Ernesto, mostrando para o poder Legislativo que aquela
proposta não era de seu interesse. Não vou nem entrar no debate sobre a
truculência do governo na desocupação da Câmara (30/09) e sobre a aprovação
desse plano sob estado sítio (01/10). Vou apenas mostrar o porquê esse
plano contribui, ainda mais, para a precarização das condições de
trabalho dos educadores.
Um dos pontos de discordância entre professores e
governo – que foi bastante veiculado pela mídia – se refere ao fato de
que o plano só atende aos professores que trabalham em regime de 40
horas semanais, o que representa apenas 7% da categoria. Os demais
professores – que trabalham em regimes de 16h, 22,5h e 30h semanais –
ficaram de fora dos “benefícios” (?!) oferecidos pelo plano. O governo
disse que permitirá que alguns professores da rede migrem para o regime
de 40h, mas nem todos poderão fazê-lo, pois muitos professores possuem
duas matrículas e porque alguns professores já estão próximos da data de
aposentadoria (o que impede a mudança de regime de trabalho). Além
disso, o governo não definiu critérios para escolher quais professores
poderão mudar de regime de trabalho. Mas a coisa não para por aí, ao
contrário do que tem sido dito. No artigo 4º, que define quem são
professores de ensino fundamental, lê-se o seguinte:
“II – Professor de Ensino Fundamental – PEF – para o
exercício de atividades docentes em turmas da Educação Infantil ao nono
ano do Ensino Fundamental, criado nos termos desta Lei.”
Ou seja, todos os professores que possuem
licenciatura plena são jogados nessa categoria generalista “PEF”. Não há
definição em relação às disciplinas ou em relação ao nível de atuação
desses profissionais. Não fica claro quem vai atuar no 1º segmento
(turmas de 1º ao 5º ano, quando ocorre a alfabetização, por exemplo) ou
quem vai atuar no 2º segmento (turmas de 6º ano 9º ano). Isso permite
que todos os professores da rede atuem em qualquer nível da
escolarização ou em qualquer disciplina, institucionalizando a prática
do professor polivalente – que já vem ocorrendo na rede municipal,
através de projetos de aceleração de aprendizagem. São projetos que a
prefeitura compra da Fundação Roberto Marinho, do Instituto Ayrton
Senna, da Fundação Itaú Social… Em entrevistas, o prefeito argumentou
que ninguém será obrigado a atuar como professor polivalente, mas e
quanto aos alunos? Será que é justo que um aluno seja alfabetizado por
um professor de Matemática? Será que é justo ter aulas de Ciências com
professores de História? Além disso, o que garante que ninguém será
obrigado a atuar dessa forma, se o plano é omisso? Nesse mesmo artigo,
também está prevista a criação do cargo de professor de ensino
religioso, mas isso não foi discutido, em nenhum momento, com a
categoria. Por que incluíram isso no plano?
Na rede federal, por exemplo, todos os professores
ficam no mesmo cargo “Docente da Educação Básica, Técnica e
Tecnológica”. Mas a atuação de cada um deles é especificada, de acordo
com sua formação. Assim, temos: Docente EBTT – História; Docente EBTT –
Matemática ou Docente EBTT – 1o Segmento; etc.
O plano também tratou da progressão por tempo de serviço, estabelecendo o seguinte, no artigo 11º:
“I – Nível 1: de 0 a 5 anos;
II – Nível 2: mais de 5 até 8 anos;
III – Nível 3: mais de 8 até 10 anos;
IV – Nível 4: mais de 10 até 15 anos;
V – Nível 5: mais de 15 até 20 anos;
VI – Nível 6: mais de 20 até 25 anos;
VII – Nível 7: mais de 25 anos.”
No plano da prefeitura, a progressão se restringe a
sete níveis, que só podem ser vencidos após muitos anos de atuação.
Enquanto isso, o salário dos professores permanece praticamente o mesmo.
Os triênios não representam avanços de nível e correspondem, na média, a
menos de 10% de aumento salarial. A diferença salarial entre os níveis
da carreira são ínfimos, assim como as gratificações por titulação (a
diferença entre mestrado e doutorado não chega a 100 reais). Além disso,
não existe a garantia de que todos os professores que possuem títulos
poderão receber a gratificação correspondente, já que o artigo 17º diz
que o enquadramento se dará “a partir de critérios e número de vagas a
serem estabelecidos pelo Poder Executivo, de acordo com os valores
constantes na tabela do Anexo III desta Lei, que não serão cumulativos.”
Ou seja, a concessão de gratificações por titulação não é automática
para todo mundo, ficando restrita a um percentual máximo do universo de
professores que são 40h. Isso já é péssimo, porque cria distinções
salariais entre pessoas com a mesma formação, mas ainda assim, o plano
não define quais são os critérios de escolha daqueles que receberão o
benefício, jogando para o Executivo esse poder.
É verdade que o plano equipara o valor da hora/aula
de todos os professores com o mesmo nível de formação. Assim, mesmo
aqueles professores que permanecerem nos regimes de 16h, 22,5h ou 30h
semanais receberão um salário proporcional ao que é pago aos professores
que trabalham 40h. Mas e os outros “benefícios” (?!) oferecidos pelo
plano? Como será a progressão desses profissionais? E as gratificações
por titulação? Mais diferenciações na carreira…
As emendas apresentadas pelos vereadores da base
aliada se concentraram, principalmente, na correção de valores. De
acordo com a tabela abaixo, um professor com licenciatura plena em
início de carreira ganharia pouco mais de 4.000 reais. É um salário
razoável, se comparado a outros profissionais de nível superior em
início de carreira? Sim, mas há que se considerar algumas questões. Em
primeiro lugar, deve-se ter em mente que os ganhos oferecidos pela
progressão por tempo de serviço, por titulação e por triênios são
pífios! Isso faz com que o salário seja achatado, ao longo da carreira.
Isso significa que um professor que já está para se aposentar ganha um
salário não muito maior do que um professor que acabou de entrar na
rede. Ou seja, o salário não aumenta, assim como pode ocorrer com outros
profissionais de nível superior. O plano oferece a possibilidade para
que um professor ganhe em torno de 9.000 reais, mas, para isso, ele terá
que ter mestrado, doutorado, pós-doutorado e terá que trabalhar 30
anos!!! Fora do magistério, um profissional com esse nível de formação e
com esse tempo de serviço, certamente ganharia muito mais. Mas também
não são todos os professores que terão direito a esse aumento, já que,
como vimos, a concessão da gratificação por titulação será restrita a um
número de vagas não especificado no plano.
Tabela de vencimentos dos professores do Rio de Janeiro,
antes e depois das emendas propostas pelos vereadores
da base aliada.
Comparando esse PCCR, com a carreira da rede federal,
percebemos o quanto a prefeitura não investe em valorização
profissional. Em primeiro lugar, na rede federal, a carreira é dividida
em 12 níveis (5 a mais do que na rede municipal) e a progressão é feita
de dois em dois anos. Além disso, caso um professor tenha mestrado ou
doutorado, ele pode avançar alguns níveis na carreira, sem contar com a
gratificação por titulação. Portanto, a rede federal oferece a
possibilidade de progressão por tempo de serviço e por formação. Assim,
um professor em início de carreira na rede federal, que trabalhe em
regime de 40h/DE, e que não tenha mestrado ou doutorado, ganharia algo
em torno de 3.600 reais. É pouco, mas, caso ele faça mestrado, seu
salário pularia imediatamente para mais de 5.400 reais, contando apenas a
gratificação pelo título – ou seja, sem contar com os avanços de nível.
Caso o professor faça doutorado, seu salário pularia, automaticamente,
para mais de 8.000 reais – também sem contar com os avanços de nível. No
fim de carreira, um professor com doutorado ganha pouco mais de 13.400
reais. Ao contrário do que ocorre na rede municipal, na rede federal, a
gratificação por titulação é automática e não fica restrita a um
percentual máximo dentro do universo de professores. Vale lembrar que,
na rede municipal, os professores que trabalham em regime de 40h (com ou
sem a dedicação exclusiva) são obrigados a dar 32 tempos de aula por
semana – o que, na prática, significa uma dedicação exclusiva forçada,
já que, com tantos tempos de aula, é difícil ter outros empregos. Mas,
apesar disso, a prefeitura não paga
a gratificação por dedicação exclusiva, mesmo quando a exige
formalmente nos concursos. Na rede federal, além de haver um esforço
para que todos os professores tenham dedicação exclusiva, o regime de
trabalho de 40h/DE significa uma carga horária máxima de 24 tempos em
sala de aula.
Diante de tudo isso, é inacreditável que o governo e a mídia continuem classificando os professores como intransigentes, mas foi o próprio prefeito que disse que não vai mais negociar
com o sindicato. Enquanto isso, os vereadores da base aliada
simplesmente ignoraram as vozes de milhares de profissionais da
educação, que gritavam contra esse plano e que não se calaram nem diante
da repressão policial, nem diante das ameças de represálias feitas pelo
governo. Quanto às outras reivindicações do início da greve, nada se
fala.
A educação pública deve ser encarada como uma questão
de todos, pois se a rede pública oferecesse serviços de qualidade, não
seria necessário que muitas famílias brasileiras comprometessem parte
significativa de seu orçamento pagando escolas privadas. É por isso que,
nesse momento, o apoio de toda a sociedade é fundamental. Tome partido!
Posicione-se publicamente em favor dos professores. Vamos juntos lutar
por uma educação pública, gratuita e de qualidade. Venha prestar sua homenagem aos professores no dia 15 de Outubro, às 17h, na Candelária. Vamos lutar juntos pelo que é nosso!
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