Considerada
pela sociedade civil o primeiro passo em direção ao tão necessário
Marco Regulatório das Comunicações, a nova lei da TV por Assinatura
estabelece os termos dos serviços de telecomunicações de interesse
coletivo prestado em regime privado. Em que pese a vitória dos
movimentos sociais após cinco anos de luta, uma das principais
determinações da lei - a instituição de cotas de programação de conteúdo
nacional e independente e de canais de programadoras independentes
nacionais -, infelizmente segue deturpada.
Coincidentemente
na semana em que programadoras nacionais credenciadas para cumprimento
das cotas tornam público que operadores pagam pela veiculação valores
abaixo do mínimo necessário para a manutenção de um canal. A
justificativa apresentada por quatro diferentes grupos de operadoras
(Vivo TV, Oi TV, CTBC e DTH Family) para o não carregamento de canais de
cotas inclui, entre outras coisas, "altos preços" cobrados pelos canais
credenciados e a falta de opção de canais para escolher.
Vamos aos fatos para entender o que querem de verdade essas operadoras.
Um
canal de TV paga obtém sua receita por meio de duas fontes: das
operadoras que o veiculam (que pagam centavos por cada assinante do
canal) e de sua publicidade, caso o canal consiga ser veiculado para uma
base de assinantes considerada relevante pelo mercado publicitário. Ou
seja, quem é pequeno não sobrevive. Realidade da maioria dos canais
nacionais que ainda não possui veiculação para uma base expressiva de
assinantes, já que sempre houve bloqueio da grande mídia até a Lei
12.485 entrar em vigor e tornar obrigatória a cota com o objetivo,
justamente, de impulsionar a expansão do mercado audiovisual brasileiro.
Mas, como incentivar a existência desses canais se não há um valor
condizente com a realidade dos custos da produção nacional?
O
canal CineBrasilTV, por exemplo, resistiu durante mais de 8 anos ao
bloqueio de acesso existente na TV paga sendo veiculado a uma base
insignificante de 1,3% do mercado total. No entanto, segundo a cineasta e
diretora do canal, Tereza Trautman, dois meses depois das cotas terem
entrado em pleno vigor, estava a ponto de encerrar suas transmissões por
falta de veiculação que lhe desse um mínimo de sustentabilidade.
Recentemente, o canal, passou a possuir quase 6 milhões de assinantes,
ao conseguir fechar contrato com a SKY, mas a sua receita total é
comparativamente (sem reajuste inflacionário) inferior ao que recebia em
2005, quando possuía somente 500 mil assinantes.
Trautman
afirma que "o CURTA! quebrou o mercado para entrar – topou um valor
inexequível enquanto o CineBrasilTV não topou. Mas, o CURTA! não é
qualquer canal. É um canal que se propõe a cumprir 12h por dia de
produção independente". Ou seja, o preço praticado por um canal nacional
como este último é tão irrisório que na prática, pode ser considerado
um canal cortesia, o qual nunca sofreu bloqueio de acesso a esse
mercado. Embora esses canais se utilizem do espaço proporcionado pela
nova lei para expandir o seu comércio, agravam a condição de negociação
dos demais canais brasileiros com a oferta de preços muito abaixo da
média nacional. "Levar os canais de cotas à inviabilidade econômica não
é uma outra forma de bloqueio?", questionou a cineasta, em entrevista
ao Instituto Telecom.
Durante
anos, a Rede Globo, maior empresa de mídia do país, bloqueou e
monopolizou, através do controle das operadoras NET e SKY, o acesso a
conteúdos nacionais. Ao ponto de ser necessária uma lei para rompê-lo.
Em 2012, por exemplo, o grupo Globo teve que sair do controle das
operações de TV a cabo da NET e de TV via satélite da Sky por conta da
nova lei do SeAC que proíbe um mesmo controlador de ter licenças de
radiodifusão e de TV paga. Tudo indica, contudo, que o bloqueio ainda
não terminou. Afinal, quem pode provar que as Organizações Globo, mesmo
na atual condição de sócia minoritária, não continua exercendo seu
antigo "direito" de veto ao conteúdo nacional na NET e na SKY?
Segundo
o Superintendente de Comunicação de Massa da Anatel, Marconi Maya, (em
entrevista ao Tele.Síntese, no dia 07/01), embora a Portaria 101, de
responsabilidade da Agência, estabeleça as relações entre empresas
controladas, coligadas e controladoras de maneira bem mais rígida do que
a lei das sociedades anônimas, a Anatel não pode intervir no poder de
veto das operadoras de TV a cabo sobre o conteúdo nacional, pois sua
regulação cabe à Ancine.
Está
mais do que na hora de a Ancine, ou mesmo o CADE, exigir o acesso aos
contratos assinados entre programadoras e empacotadoras e fiscalizar as
propostas que estão sendo negociadas para o cumprimento das cotas. Que
preço está sendo praticado pelas operadoras? E que valores são
pretendidos por esses canais?
Também
é urgente uma regulamentação mais detalhada do canal de 12 horas
diárias de veiculação da produção independente. Só assim será possível
que esses canais e principalmente a produção independente consigam
alcançar uma mínima sustentabilidade econômica, conforme o objetivo
dessa lei.
O
cenário da nova lei de TV paga ainda é extremamente delicado. NET,
Claro e SKY representam juntas 85% do mercado total e estão longe de
cumprirem as cotas de canais. Além disso, em poucos dias, o STF ouvirá a
sociedade civil em oitiva que dará início ao julgamento das Adins (Ação
Direta de Inconstitucionalidade) interpostas por partidos políticos
como o DEM contra as cotas previstas na lei e a Ancine como autoridade
do audiovisual.
Marcello Miranda - Fale Rio - Frente Ampla pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação - RJInstituto Telecom
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