14 de novembro de 2012

Após abraço emocionado Dirceu diz a Genuino que o destino deles é lutar

 foto: Marina Dias

Um dia após ter sido condenado por corrupção ativa pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), em 10 de outubro, o ex-presidente do PT José Genoino
encontrou-se com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Após um abraço
emocionado, ouviu daquele que chama de "companheiro de luta":

- Esse é o nosso destino. Nosso destino é lutar.

Horas antes do encontro, Genoino havia telefonado para a presidente Dilma
Rousseff e comunicado sua decisão de deixar o cargo de assessor especial do
Ministério da Defesa:

- Como é que eu assino uma demissão sua, Genoino? Como? – perguntou
Dilma.

- Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes – respondeu o ex-
presidente do PT.

José Genoino Guimarães Neto tem 66 anos. É casado, pai de três filhos e avô
de dois netos. Nascido em Quixeramobim, no Ceará, participou da Guerrilha
do Araguaia, na década de 1970, quando foi preso por cinco anos e torturado.
Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, o petista diz que consegue traçar
paralelos daquele período com o processo que vive hoje.

"Tenho pesadelos e nunca falei isso para ninguém. Há um mês, gritei e
estrebuchei na cama. Minha mulher ficou preocupada. Misturo cenas daquele
período, quando eu era interrogado, em 1972, com as cenas do processo da
Ação Penal 470".

De camisa vermelha, calça social marrom e sapatênis escuros, Genoino
recebeu a reportagem de Terra Magazine em sua casa, no bairro do
Butantã, zona oeste da capital paulista. Estava bem-humorado.

Deputado federal por seis mandatos (até 2010), deixou o comando do PT em
2005, no início da crise do Mensalão, mas afirma que é inocente e que lutará
para defender sua história. "O que fiz pelo PT foi legal, legítimo e necessário
[...] Repetiria tudo de novo, mesmo passando o que passei".

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

Terra Magazine: Durante o julgamento do Mensalão, o senhor foi
condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção
ativa e, nesta semana, a Corte definirá se o senhor será condenado
por formação de quadrilha. Esperava esse veredito?

José Genoino: Não sou corrupto e entendo que foi uma condenação sem
provas, baseada na tirania da hipótese pré-estabelecida, com base em um
raciocínio do domínio do fato, da falta de provas, contrariando a presunção da
inocência. Tudo isso contraria, a meu ver, uma visão democrática do Código
Penal. Não pratiquei corrupção, o que eu fiz foram reuniões para defender o
governo Lula. Como presidente do PT, cuidava das alianças políticas, da
unidade da bancada do partido, da relação com os movimentos sociais e
ocupava todo o meu tempo com a atividade política, legítima, democrática e
transparente.

Não houve compra de votos nem compra de deputados. As votações
principais do governo Lula foram decididas sempre com muita luta. Recebi a
notícia da condenação com a indignação do inocente. Apresentei as provas e
vou deixar tudo muito claro: os empréstimos que assinei são atos jurídicos
perfeitos. Assinei os empréstimos encaminhados pela secretaria de finanças
do PT, registrei no Tribunal Superior Eleitoral, e os empréstimos foram
renovados porque o PT estava em uma situação muito difícil. Quando deixei a
presidência do PT, o juiz de Minas Gerais cobrou judicialmente, inclusive,
com o bloqueio da minha conta, que só foi desbloqueada porque era conta
salário e, a partir de 2007, em uma negociação dirigida pelo então presidente
Ricardo Berzoini, os empréstimos foram negociados por quatro anos e pagos,
tanto o empréstimo do Banco Rural, como o do BMG. Sou um inocente.

O que o senhor pensou – ou fez – quando saiu sua primeira
condenação, dia 9 de outubro?

Estava acompanhando a sessão do STF na minha casa, pela TV, com minha
mulher e meus filhos Ronan e Miruna. Veio à minha cabeça a mesma
sensação de quando eu estava na auditoria militar da Avenida Brigadeiro Luís
Antônio, sendo condenado a cinco anos de prisão, na década de 1970. É uma
sensação de... eu uso uma expressão que gosto muito, deste livro, Memórias
de um Revolucionário: "As noites cegas são poderosas, terríveis, mas nós
somos a sua paciência". Eu me senti assim, indignado. Fiz uma carta aberta
ao país, retirando-me do governo como inocente.

A partir daquele dia, tomei uma decisão. Durante sete anos, eu falei nos
autos, não dei entrevista... aliás, a única que dei foi para Terra Magazine,
em 2006. Falei só nos autos, acreditando que ia ser um julgamento técnico,
com base só em provas. Naquele dia, percebi que se tratava de uma
condenação sem provas e resolvi fazer a crítica política.

E com a sua família? Como foi a reação de sua mulher e seus filhos
após a condenação?

Estavam todos aqui. No dia seguinte, fizemos uma conversa. Minha filha
Mariana, que mora em Brasília, veio para São Paulo. Miruna fez a carta dela e
eu não li antes da divulgação. Nessa reunião, eu disse que iria lutar de todas
as formas para defender minha honra e minha dignidade. Falei que não iria
me curvar. Não tenho riquezas nem patrimônio, mas vou para o risco do
combate, dentro dos princípios democráticos. A democracia que está aí não é
produto de uma sentença. Aliás, ela foi regada com muita guerra, luta,
sangue, mortes, greves e barricadas. Não é produto de sentença e dei minha
contribuição para a conquista dessa democracia. Disse à minha família que
agora eu estaria em uma posição de militante livre e combatente e eles
aprovaram.

A condenação abalou o senhor? Abalou a sua família?
Não. Minha mulher e meus filhos ficaram indignados, assim como eu.
Naquela noite, escrevi a carta aberta, que li no dia seguinte durante a reunião
do Diretório Nacional do PT. Mas não estava abalado. Minha vida só tem
sentido quando eu a coloco a serviço de causas. E hoje eu tenho uma causa:
defender minha inocência custe o que custar. Estou revigorado, vivendo um
momento parecido com o meu entusiasmo de 1968, da Guerrilha do Araguaia,
quando eu estava preso por cinco anos, quando eu disputava convenções do
PT, quando eu fazia campanhas vitoriosas e derrotadas aqui em São Paulo...
Estou com essa energia. Meu foco é resistir e lutar com todos os meios
democráticos.

E qual é o primeiro passo dessa luta?
A primeira coisa que tenho que fazer é apresentar todos os documentos que
estou preparando com o meu advogado, Luiz Fernando Pacheco. São
memoriais que vão discutir a parte final do julgamento e serão apresentados
como provas da minha inocência. Quem tinha que apresentar provas de
minha culpa seria a acusação. Vou falar politicamente. Estou de cabeça
erguida, com a consciência de um inocente e vou usar de todas as formas
jurídicas e politicas para provar minha inocência. Eu quero provas.

Sua defesa foi baseada no fato de que o senhor foi acusado por
aquilo que era, ou seja, presidente do PT, e não por aquilo que fez.
Essa foi a melhor linha a ser seguida?

Sim. E continuo nessa linha, porque eu não pratiquei crime, não pratiquei
ilícito. Eu era presidente do PT e fui condenado pelo fato de ser presidente do
PT. Isso é o que se chama, no direito penal, responsabilidade objetiva, que é
um conceito conservador, arcaico, que, felizmente, a humanidade superou,
mas que agora tem uma nova versão, o domínio do fato. Assim, pode-se
condenar sem provas concretas. O que fiz como presidente do PT foi legal,
legítimo e necessário. Não se pode criminalizar a política, criminalizar os
acordos e as alianças e é isso que se está fazendo. Quando se criminaliza a
política, abre-se a porta para o autoritarismo, enfraquecendo o poder que
emana do povo. Cumprirei as decisões impostas, mas minha consciência irá
bradar todos os dias contra isso.

Acredita que o julgamento do Mensalão é um marco no Judiciário
brasileiro?

Acho que temos que fazer um grande debate sobre esse julgamento, primeiro
porque ele está se baseando em teses que precisam ser profundamente
discutidas, como a do domínio do fato, que negam provas, a presunção da
inocência, a condenação com base em indícios... Isso tem que ser
profundamente discutido, porque pode representar um risco para um
Judiciário democrático, abrindo graves precedentes.

Sua tese de defesa argumenta que existiu um esquema de caixa
dois na campanha do PT e não a compra de votos de
parlamentares. A ministra Cármen Lúcia reagiu dizendo que
"caixa dois é crime" e que a confissão dessa prática com
naturalidade na Corte era algo "inédito" na carreira dela. Essa é
sua versão dos fatos?

Em primeiro lugar, meu advogado não falou em caixa dois. Ele afirmou,
claramente, que minha função como presidente do PT era exclusivamente
política. Eu não cuidava nem tinha responsabilidade quanto à administração
do PT e quanto às finanças do partido. Não foi o meu, mas outros advogados
disseram que quando se trata de crime eleitoral (caixa dois), tem que se julgar
como crime eleitoral. Minha responsabilidade era política. Entendo que essa
injustiça não é só contra mim e que isso enfraquece a Justiça no Brasil. Não
podemos fazer de julgamentos um espetáculo midiático. Não podemos aceitar
essa espetacularização.

Um dia após sua condenação, quando leu a nota durante reunião
do Diretório Nacional do PT, o senhor se encontrou com o ex-
ministro José Dirceu. Como foi esse encontro?

Fui recebido de pé por todo o Diretório Nacional do PT naquele dia. Todas as
tendências gritavam meu nome. À tarde, quando entrou o companheiro Zé
Dirceu, aconteceu a mesma coisa com ele e nós demos um forte abraço um no
outro. E eu falei a ele a seguinte frase: "Zé Dirceu, no dia 12 de outubro de
1968, quando nós fomos presos no Congresso de Ibiúna, nós gritamos: 'A
UNE somos nós'. Pois bem, o PT somos nós. Somos companheiros de luta e
nossa geração aprendeu que podemos ser encurralados, mas não aceitamos
nos curvar".

E o que José Dirceu respondeu?
Ele olhou bem pra mim e disse: "É o nosso destino. Nosso destino é lutar".

E com o ex-presidente Lula? Como é sua relação desde 2005?
O Lula, pra mim, é uma pessoa excepcional do ponto de vista humano e
político e eu aprendi a ter muita confiança na capacidade política dele. E Lula
costumava dizer, nos piores momentos do seu governo: “Não vou deixar o
país quebrar no meu colo”. Minha relação com Lula é de muito respeito e
confiança. Não fiz nada de errado, portanto, o compromisso que tive com o
Lula de presidir o PT foi correto e eu repetiria, mesmo passando por tudo o
que passei.

O ex-presidente Lula ligou para o senhor após sua condenação?
Várias vezes. Sempre uma ligação afetiva e muito forte, mas me reservo o
direito de não dizer o que ele fala comigo.

O senhor resolveu deixar seu cargo no governo, de assessor
especial do Ministério da Defesa. A presidente Dilma Rousseff foi
relutante à entrega do seu cargo?

Ela me ouviu e falou coisas bonitas, mas não serei porta-voz dela.

Mas ela foi relutante?
Ela disse pra mim: "Como é que eu assino a sua demissão, Genoino? Como?".
E respondi: "Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes e vou ler
uma carta no Diretório Nacional do PT". Tenho uma relação de respeito e
confio muito na coragem e capacidade da companheira Dilma.

José Dirceu disse a amigos que se sente aliviado com o fato de o PT
ter sido o partido mais votado no primeiro turno das eleições deste
ano. Segundo ele, é como se o povo tivesse absolvido o partido. O
senhor também avalia dessa maneira o desempenho do partido
nas urnas?

O governo do PT foi julgado em 2006, quando o povo reelegeu o Lula, e em
2010, quando elegeu a Dilma presidente. As vitórias do PT mostram que o
povo é mais inteligente do que certos setores pensam. O povo nos conhece,
sabe onde a gente mora, o que a gente faz, o que a gente fez.

Em 2010 o senhor não foi eleito deputado federal. O povo não o
absolveu?

Não foi isso. Em 2010, eu perdi por mil votos. O erro foi o tipo de campanha
que nós fizemos. A campanha estava difícil porque fui muito criticado por
setores da mídia... Tive apoio em muitas cidades, o PT me apoiou muito, mas
isso faz parte. Na democracia, a gente perde e ganha e precisamos ficar felizes
com isso.

Na década de 1970, o senhor foi preso por cinco anos e torturado
durante a Guerrilha do Araguaia. O senhor consegue traçar algum
paralelo daquele momento em relação a esse que está vivendo
hoje?

O primeiro paralelo, lamentavelmente, e eu nunca falei isso para ninguém,
são os pesadelos. Eu tenho pesadelos. As cicatrizes existem. Acredito no
perdão, mas não no esquecimento, e é isso que aparece nos meus pesadelos.
Misturo cenas daquele período, quando eu era interrogado, em 1972, com
cenas do processo da Ação Penal 470. Há um mês, tive um pesadelo grande,
gritei pra caramba, minha mulher ficou preocupada, porque eu fiquei em pé,
estrebuchei na cama... As cicatrizes da vida deixam a gente mais preparado
para as pancadas e estou com mais cicatrizes agora, elas não somem da
cabeça nem do corpo. Mas não tenho ódio, ressentimento ou espírito de
vingança. Eu tenho confiança no ser humano.

O senhor tem medo de ser preso?
Penso da seguinte maneira: a palavra medo não existe como impedimento
para a minha luta. Entre a servidão e a humilhação, eu prefiro o risco do
combate.

Se o senhor pudesse fazer de novo, corrigindo, alguma coisa na
sua vida, o que seria?

Tudo o que fiz na minha vida foi com paixão e consciência. Sempre com
dedicação e por causas e, portanto, minha trajetória me orgulha. Um dos
objetivos da minha luta é defender minha história, porque é ela que me
dignifica.

Então o senhor não corrigiria nada?
Minha trajetória me orgulha e tenho recebido muita solidariedade, tanto do
PT, como de pessoas da oposição, de militares que trabalharam comigo no
Ministério da Defesa, mas não vou citar nomes. É claro que a vida vai te
ensinando, você não pode ser dono da verdade, você tem que estar aberto
para mudar o mundo. O desafio é mudar o mundo mudado e quem quer
mudar o mundo tem que aceitar ser mudado. O PT me mudou e eu mudei o
PT.

O senhor considera que o PT errou?
O PT é vitorioso porque o objetivo de um partido é conquistar o poder e
realizar seu programa e isso o PT fez. Agora, é claro que o PT tem que fazer
uma avaliação de toda sua trajetória, olhando para o futuro. Não podemos ter
medo do debate. O PT precisa aceitar a crítica e discutir as escolhas de
maneira franca e aberta. O PT aprendeu uma lição: dividido, perde; e sem
aliança, não ganha. Minha geração aprendeu no coletivo: ou ganham todos
juntos ou se ferram todos juntos. Essa foi a lição que eu aprendi.

Marina Dias para o Terra Magazine
do blog Genoino

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