25 de abril de 2025

Como os títulos do Tesouro dos EUA passam de porto seguro para fonte de risco

 

 O que é particularmente alarmante para os investidores é que a derrocada dos títulos veio acompanhada de fortes quedas nas ações americanas e do enfraquecimento do dólar, um raro "golpe triplo" em que ações, títulos e a moeda caem juntos, desafiando a lógica tradicional dos fluxos de porto seguro e ressaltando um forte desconforto com as perspectivas econômicas dos EUA.

Beijing, 23 abr (Xinhua) — Há muito considerados um pilar da estabilidade financeira global, os títulos do Tesouro dos EUA estão enfrentando uma onda incomum de vendas, à medida que os investidores os veem cada vez mais não como um porto seguro, mas como uma fonte de riscos.

Movimentos recentes do governo dos EUA, incluindo "tarifas recíprocas" e as crescentes tensões entre a Casa Branca e o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), abalaram severamente os mercados, elevando acentuadamente os rendimentos dos títulos do Tesouro.

O que é particularmente alarmante para os investidores é que a derrocada dos títulos veio acompanhada de fortes quedas nas ações americanas e do enfraquecimento do dólar, um raro "golpe triplo" em que ações, títulos e a moeda caem juntos, desafiando a lógica tradicional dos fluxos de refúgio e ressaltando um forte desconforto com as perspectivas econômicas dos EUA.

 POR QUE A ATUAL LIQUIDAÇÃO DE TÍTULOS DO TESOURO DOS EUA É INCOMUM

Os títulos do Tesouro dos EUA são vistos há muito tempo como ativos de refúgio, desfrutando de entradas de capital tipicamente durante crises no mercado de ações. No entanto, recentemente, os três principais índices de ações dos EUA em Nova York despencaram em meio a preocupações com a política tarifária, e os títulos do Tesouro foram vendidos em paralelo, elevando os rendimentos drasticamente.

Em 9 de abril, o rendimento dos títulos do Tesouro de 10 anos subiu para 4,5%, enquanto o rendimento dos títulos de 30 anos subiu quase 60 pontos-base em três dias, ultrapassando brevemente 5%. Depois disso, a pressão crescente do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre o Fed para cortar as taxas de juros elevou os rendimentos, que já haviam caído. Na segunda-feira, o rendimento dos títulos de 10 anos havia ultrapassado 4,4% novamente, e o de 30 anos ultrapassou 4,9%.

"A liquidação pode estar sinalizando uma mudança de regime, na qual os títulos do Tesouro dos EUA não são mais o porto seguro global para renda fixa", disse Ben Wiltshire, estrategista de taxas do Citi, citado pelo Financial Times.

O medo de estagflação ou recessão, desencadeado pela política tarifária de Trump, levou investidores globais a reduzir sua exposição a ativos denominados em dólar. O Financial Times também observou que a falha do governo dos EUA em conter o aumento dos rendimentos dos títulos, antes um objetivo político fundamental, abalou a confiança no maior mercado de dívida soberana do mundo.

Zhao Yue, economista-chefe da Chief Securities, com sede em Hong Kong, disse à Xinhua que as novas tarifas americanas forçaram investidores institucionais a rebaixar as previsões econômicas e de mercado, levando a amplas reduções de portfólio, bem como à queda de ações, títulos e do dólar.

POR QUE O AUMENTO DOS RENDIMENTOS DOS TÍTULOS DO TESOURO GERA PROBLEMAS

A liquidação dos títulos do Tesouro é mais do que um evento de mercado, pois atinge o cerne do financiamento do governo dos EUA. Os títulos do Tesouro representam notas promissórias emitidas pelo governo federal dos EUA para financiar gastos públicos. Quando os preços caem e os rendimentos sobem, fica mais caro tomar dinheiro emprestado, já que o Departamento do Tesouro precisa aumentar os pagamentos de cupons para atrair compradores.

Isso aumenta os custos de empréstimo em toda a economia dos EUA, já que as taxas dos títulos do Tesouro servem como referência para as taxas de juros de mercado.

Xia Chun, economista-chefe da ApaH Capital Management, com sede em Hong Kong, disse que o aumento dos rendimentos dos títulos do Tesouro eleva os custos de financiamento para as empresas e aumenta a pressão recessiva.

Brian Rehling, chefe de estratégia global de renda fixa do Instituto de Investimentos Wells Fargo, disse que os rendimentos mais altos dos títulos do Tesouro estão elevando as taxas de hipotecas, financiamentos de veículos e outros empréstimos, afetando diretamente as finanças das famílias. Na sexta-feira, a taxa média de juros de hipotecas de 30 anos nos Estados Unidos atingiu a maior alta em oito semanas, de 6,83%.

Analistas interpretam amplamente a recente suspensão das "tarifas recíprocas" por Trump como uma resposta ao crescente alarme sobre o aumento dos custos de financiamento e o risco de consequências econômicas mais amplas.

 COMO AS "TARIFAS RECÍPROCAS" INTERROMPEM A CADEIA DE FINANCIAMENTO DO TESOURO DOS EUA

As recentes vendas massivas de títulos do Tesouro americano expuseram problemas estruturais de longa data no mercado de dívida dos EUA.

Nos últimos anos, a expansão fiscal agressiva do governo federal dos EUA levou a um rápido aumento na emissão de títulos do Tesouro, enquanto a demanda não acompanhou o ritmo. De acordo com Xia, da ApaH Capital Management, sediada em Hong Kong, o grande volume de dívida americana em circulação significa que muitos fundos soberanos já atingiram seus limites de investimento em dívida externa.

Zhao espera que os títulos do Tesouro com vencimento em 2025 atinjam um recorde de mais de 9 trilhões de dólares americanos. Dados recentes de emissão indicam que os principais negociadores foram forçados a absorver uma grande parcela dos títulos recém-emitidos, com uma relutância acentuada entre os investidores em assumir dívida adicional dos EUA.

Tradicionalmente, os principais credores dos títulos do Tesouro dos EUA são economias que apresentam superávits comerciais consistentes com os Estados Unidos. Esses dólares excedentes são normalmente reciclados na compra de títulos do Tesouro, facilitando a entrada de capital e financiando o déficit fiscal dos EUA.

No entanto, a iniciativa dos EUA de reduzir o déficit comercial por meio de "tarifas recíprocas" está minando esse mecanismo. A redução dos superávits comerciais leva à menor disposição e capacidade das economias de comprar dívida americana.

Xia observa que o aumento dos rendimentos normalmente sustentaria um dólar mais forte, mas a recente desvalorização da moeda sugere que o capital está deixando os Estados Unidos.

A capacidade de financiamento em declínio do Tesouro inflou significativamente as despesas com juros do governo dos EUA, pressionando ainda mais uma posição fiscal já frágil. A dívida federal dos EUA já ultrapassou 36 trilhões de dólares, com 6,5 trilhões de dólares em vencimentos até junho. Os dados mais recentes mostram que o déficit orçamentário federal para o primeiro semestre do ano fiscal de 2025 já ultrapassou 1,3 trilhão de dólares, o segundo maior já registrado.

 QUEDA DA CONFIANÇA NO DÓLAR

O Índice do Dólar Americano caiu na segunda-feira para 97,96, a mínima em três anos, durante o pregão intradiário, antes de fechar em 98,278 pontos, abaixo da marca de 99, indicando crescentes preocupações do mercado com o futuro do dólar e suas potenciais fraquezas.

O presidente do banco central francês, François Villeroy de Galhau, afirmou que as políticas de Trump nas últimas semanas minaram a confiança no dólar.

Muitas economias já iniciaram seu processo de desdolarização, incluindo a redução de títulos do Tesouro americano, o aumento das reservas de ouro, a mudança da moeda de liquidação do petróleo e a exploração de mecanismos locais de swap e liquidação cambial.

De acordo com o Banco de Compensações Internacionais, a participação do dólar nas reservas globais caiu de mais de 70% em 2000 para cerca de 58% nos últimos anos.

As políticas do governo americano estão incentivando a desdolarização, o que está levando a uma liquidação generalizada de títulos do Tesouro americano, afirmou George Saravelos, chefe global de pesquisa cambial do Deutsche Bank.

Xinhua Português


 

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