17 de junho de 2018

Como a Islândia que empatou com a Argentina derrotou de goleada bancos e FMI em 2008

Na crise global financeira de 2008, a pequena Islândia enfrentou os bancos, o FMI, a comunidade europeia e conseguiu os melhores resultados para a sua população, conheça essa história

A Islândia, com seus 102 mil km2 e 320 mil habitantes, conseguiu hoje um feito histórico ao empatar com a Argentina de Leonel Messi, numa partida em que jogou de igual para igual. Mas a pequena população deste pais cravado no gelo se mostrou muito mais forte e corajosa na crise financeira global de 2008 que destruiu completamente a sua economia, quando em poucos dias a sua dívida passou a ser nove vezes maior do que o PIB.


Ao invés de se conformar, ela decidiu resistir. Enfrentou sua classe política e isso produziu uma solução diferente de quase todos os outros estados nacionais que viveram problema semelhante.

A resistência se articulou com base num processo articulado pela Internet que levou, inclusive, à produção de um novo texto constitucional colaborativo que depois acabou não sendo implementado, mas que mudou completamente o destino do país.

Manuel Castells sustenta que foi na Islândia que a “ascensão e a queda de uma economia condensaram melhor o fracassado modelo de criação de riqueza especulativa que caracterizou o capitalismo financeiro da última década”.

Mas como aconteceu a resistência na Islândia?

A crise islandesa seria mais uma entre tantas daquele 2008 se o país não tivesse vivido um movimento que ficou conhecido como “A revolução das panelas e das frigideiras”. Em Redes de Indignação e Esperança, Castells conta que em 11 de outubro de 2008, o cantor Hordur Torfason sentou-se com a sua guitarra em frente ao prédio do Althing (o parlamento Islândes) em Reykjavik, e expressou em canto sua fúria contra os banksters e os políticos que lhes eram subservientes.

Poucas pessoas se juntaram a ele naquele primeiro dia, mas alguém teria registrado a cena e a divulgou pela internet. O vídeo viralizou e em alguns dias milhares de pessoas passavam a acompanhar seu protesto na praça Austurvollur.

A população então assume posição firme e contrária ao pagamento da dívida que havia levado os três principais bancos do país à falência e gerado uma perda líquida de 85 bilhões de dólares. E passou a pedir a renúncia do governo e exigir novas eleições.

No dia 23 de janeiro de 2009 foi anunciada a antecipação das eleições para o parlamento e o primeiro ministro conservador, Geir Haarde, declarou que não concorreria ao cargo. A eleição resultou numa retumbante derrota dos dois principais partidos do país que sozinhos ou em coalizão governavam o país desde 1927 e o novo governo assume com o compromisso de ouvir as ruas, para implantar o controle do fluxo de capitais no país, estatizar os bancos falidos e, também, em consonância com as demandas populares, abrir um processo de reforma constitucional com plena participação dos cidadãos.

A Islândia tinha naquele momento, segundo Castells, 94% dos seus cidadãos conectados à Internet e 2/3 no Facebook, que foi a principal plataforma de mobilização dos protestos e também dos debates sobre os rumos que o país deveria tomar.

O não ao FMI e a recuperação mais rápida

A rápida integração da Islândia às finanças globais foi liderada por três bancos: Kahpthing, Landsbanki e Gitnir, que passaram de bancos de serviços de caráter local na década de 1980, a grandes instituições financeiras, em meados da década de 2000. Os três bancos aumentaram o valor dos seus ativos de 100% do PIB no ano 2000 para quase 800% em 2007. O aumento dos ativos tinha relação com operações fraudulentas que levaram à crise do subprime. E o dinheiro lá aplicado não era dos islandeses.

Quando quebraram, as perdas que geraram na Islândia e fora do país foram sete vezes maiores do que o PIB Islandês. Em proporção ao tamanho da economia, foi o maior desastre da história em termos de valor financeiro. O PIB islandês caiu 5,1% em 2009 e 2,9% no ano seguinte, segundo dados do Banco Mundial.

Com esse cenário de falência total, a solução do FMI, foi exigir que o governo aplicasse medidas de austeridade em troca de uma ajuda financeira de 2,1 bilhões de euros. Foi quando a mobilização popular obrigou o governo a renunciar.

O novo gabinete, porém, adotou a lei Icesave – cujo nome fazia referência a um banco online que também havia quebrado e cujos correntistas eram, em sua maioria, holandeses e britânicos. A finalidade da lei era reembolsar principalmente os clientes estrangeiros.

Por essa legislação, os cidadãos islandeses iriam pagar uma dívida de 3,5 bilhões de euros (40% de seu PIB) – nove mil euros por habitante – em 15 anos e com uma taxa de juros de 5%. A população recusou a solução proposta e intensificou os protestos.

O presidente do país, Ólafur Ragnar Grímsson, que havia sido eleito pela quinta vez em 2012, usou o poder de veto presidencial que a Constituição lhe permitia e por três vezes impediu que a lei entrasse em vigor. E convocou por duas vezes referendos.

À Carta Capital à época o presidente Grímsson disse que “foi uma escolha simples entre a vontade democrática do povo e os interesses financeiros dos mercados”. Em março de 2010, 93% dos islandeses rechaçaram a lei sobre o reembolso das perdas do Icesave. E quando foi submetida novamente a referendo em abril de 2011, 63% dos cidadãos voltaram a rechaçá-la.

Islândia contra toda a União Européia

Ao contrário das outras nações da União Europeia que aplicaram as recomendações do FMI que exigiam austeridade, como na Grécia, Irlanda, Itália ou Espanha, a Islândia escolheu outra alternativa que, de certa forma, foi conquistada nas ruas. O Estado islandês não injetou fundos públicos, tal como fez o resto da Europa e os EUA, nos bancos que faliram. Ao contrário, nacionalizou-os.

Com isso os bancos privados tiveram que cancelar todos os créditos com taxas variáveis que superavam 110% do valor dos bens imobiliários e ao mesmo tempo a Corte Suprema declarou ilegais todos os empréstimos que tinham como referência moedas estrangeiras, obrigando assim os bancos a renunciarem a seus créditos em benefício da população.

Alguns dos banqueiros e até o ex-primeiro ministro do país, Geir Haarde, foram presos.

Ao contrário das previsões de economistas liberais, de agência de rating e dos principais jornais econômicos do mundo que anunciaram um futuro catastrófico para a Islândia, por conta de suas decisões heterodoxas, os resultados da política econômica e social islandesa superaram a de todos os outros países em condições semelhantes. Em 2011, o PIB islandês cresceu 2,1%, em 2012, 1,1%, e em 2013, 3,5%. O desemprego diminuiu e o país conseguiu fazer o reembolso antecipado dos recursos que haviam sido emprestados ao FMI.

Ao final de 2010 quando o país já estava em rota de recuperação o presidente islandês Olafur Grímsson explicou a receita que levou o país a se recuperar mais rapidamente ao Daily Telegraph: “A diferença é que, na Islândia, deixamos os bancos quebrarem. Eram instituições privadas. Não injetamos dinheiro para salvá-las. O Estado não tem por que assumir essa responsabilidade”.

Desde 30 de novembro de 2017, a Islândia é governada por uma mulher, Katrin Jakobsdóttir, da Esquerda Verde. E tem 6 deputados do Partido Pirata no seu parlamento.



Com informações da Revista Fórum / Blog do Rovai

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