Congresso Nacional, que reúne o Senado e os deputados federais, é o mais conservador desde 1964. Eleições 2018 têm de mudar isso
Se 2017 já foi um ano adverso do ponto de vista social e trabalhista, o próximo poderá trazer ainda mais perdas se os movimentos sindical e sociais não priorizarem suas bancadas no Congresso, alerta o analista político Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP). "O risco de sequer repor as bancadas atuais é grande, há um risco de redução da representação", afirma Toninho. O Parlamento atual já foi considerado pelo próprio DIAP como talvez o mais conservador desde a redemocratização brasileira.
Segundo estimativa do instituto, na composição do Congresso Nacional (Câmara e Senado) não mais do que 100 parlamentares podem ser considerados de perfil mais progressista. Um número que nem sequer chega a 20% do total. "Os movimentos, a oposição, vão ter de investir fortemente na eleição", reforça o diretor do DIAP. "Não adianta eleger o presidente se não tiver uma boa bancada."
Para ele, esse será o debate de 2018, no sentido de tentar convencer o eleitorado sobre o que representa a continuação do "ideário liberal-fiscalista" representado pelo governo Michel Temer. Um ideário "que deixa em segundo plano a soberania nacional e os direitos", defensor de um Estado mais cumpridor de contratos do que agente de combate à desigualdade e que usará recursos do Estado para reduzir o próprio Estado, como no congelamento de gastos, instrumento que Toninho chama de "criminoso".
Em uma das últimas medidas tomadas em 2017, Temer decidiu vetar integralmente o projeto de lei que regulamentava o direito de negociação coletiva na administração pública. "É um governo que claramente não respeita a democracia nas relações de trabalho, não aceita diálogo, tem sempre uma postura autoritária", afirma Toninho, lembrando que se trata de proposta apresentada por representante da base aliada (o senador Antonio Anastasia, do PSDB-MG), "com formação jurídica e muito cuidado na formulação da proposta".
Segundo o diretor do DIAP, o governo alega inconstitucionalidade por mera conveniência, para evitar abertura de negociações com o funcionalismo, algo previsto, inclusive, em norma internacional ratificada pelo Brasil.
Foi apenas mais um exemplo da postura do atual governo em relação ao movimento sindical. O analista observa que, na gestões Dilma e Lula, havia um processo de negociação com os representantes dos servidores, em demonstração de respeito às entidades. "O governo não dialoga e revoga um projeto fruto de negociação. É um pequeno exemplo da sua insensibilidade para quem não pertence à classe empresarial, à atividade econômica."
Ano de perdas
A "Reforma" Trabalhista, materializada pela Lei 13.467, foi outra demonstração nesse sentido. "É um ano que suprimiu uma série de conquistas de anos de luta, uma relação minimamente civilizada. E o que é mais dramático, isso acontece a partir de um governo que não passa de pau-mandado do capital financeiro. E um Congresso venal, que aceita migalhas do mercado. Uma perversidade", resume.
Para o diretor do DIAP, a lei que entrou em vigor em 11 de novembro está "descolada das demais normas que devem ser observadas no Estado de Direito". Trata-se de um tema que deveria ser discutido com maior prazo e com algum critério de razoabilidade. "Você fez mudanças na lei, mas agrediu o Direito", diz Toninho.
Ele avalia que a Medida Provisória (MP) 808, feita para "amenizar" alguns dispositivos, teve mais preocupação de trazer alguma segurança jurídica para implementação das novas regras. E aposta que a MP provavelmente irá "caducar", sem reedição, por absoluto desinteresse do governo e do Congresso. Para o analista, será inevitável que boa parte dos itens da lei acabe sendo objeto de questionamentos no Judiciário.
E a reforma da Previdência?
O diretor e analista do DIAP acredita que o texto será aprovado parcialmente. Até aqui, foi barrada por causa da "ausência de razoabilidade da proposta, que não respeita o direito acumulado e faz mudanças radicais sem regra de transição", além de propaganda enganosa, como no caso dos trabalhadores rurais.
Ele lembra que todos são a favor de uma reforma que "atualize a demografia", entre outros fatores, mas com respeito a direitos adquiridos e observando um período para implementação de mudanças. "Como sempre se fez, historicamente. Fernando Henrique e Lula tiveram regras de transição."
Da Articulação Sindical
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O golpe parlamentar-judiciário-midiático acertou em cheio a estratégia que as esquerdas vinham desenvolvendo com certo sucesso nas últimas décadas no Brasil. Ninguém esperava que a direita e a centro-direita iriam promover a ruptura com o estado democrático de direito até porque este “estado de direito” seguia nos limites do estado burguês e também porque os governos de esquerda não implementaram uma agenda de mudanças estruturais. Por motivos nacionais, talvez a direita seguisse convivendo com governos populares. O que incidiu para a ruptura do pacto, certamente, foram os interesses internacionais. Apesar disto, ainda hoje há setores da esquerda que acreditam que é possível recompor uma aliança com a burguesia brasileira. Me parece uma leitura equivocada e um aliança improvável. Ao final a conclusão sobre uma reflexão da conjuntura é bastante triste: o fim da conciliação só ocorreu por decisão da direita, caso contrário, parte da esquerda seguiria no mesmo barco até sabe-se lá quando e a que custos.
Bem, agora o importante é que nos demos conta que o golpe encerrou um ciclo na história brasileira. E que outro ciclo se abriu com desfecho ainda imprevisível, porque a sociedade que elegeu Lula e Dilma ainda está aí e aquela que defende os privilégios perdeu a vergonha de dizer o que realmente pensa. O país está polarizado. É preciso reconhecer que o que mudou foi a possibilidade de seguir com uma estratégia de pacto com setores do sistema capitalista visando a inclusão produtiva e no consumo de milhares de pessoas sem, no entanto, alterar as estruturas que perpetuam as desigualdades no país. A síntese pobres menos pobres e ricos mais ricos foi a tônica deste período que se encerra e traduz muito bem as escolhas que foram feitas pela maioria do campo democrático popular nos últimos anos.
E, frente a este novo ciclo, temos diferenças de leitura sobre qual a profundidade da crise e qual deve ser a postura estratégica do campo democrático e popular. Por isso mesmo, temos propostas distintas de alternativas para a superação da crise. Para ajudar na reflexão, recorro a uma frase que circunda nosso universo teórico que diz ser a política a arte do possível. Num primeiro momento, isso nos induz a ideia de que sempre se pode compor com outras forças para conquistar certos resultados. Por outro lado, penso que a arte do possível também pode orientar propostas de radicalização de rupturas com o sistema. O que define qual das estratégias devem ser adotadas é, por um lado, a crença do que realmente é o possível e por outro o horizonte temporal com o qual se está definindo as políticas.
Só para citar um exemplo que é de conhecimento de todas e todos, em 1985, quando da derrota da Campanha das Diretas Já, o PT decidiu não participar do Colégio Eleitoral, embora houvessem em disputa um candidato identificado com a ditadura militar, Paulo Maluf do PDS e outro identificado com a abertura política, Tancredo Neves do PMDB. Se olhar para o momento imediato, ou seja, a possibilidade real da eleição do PDS, a escolha correta seria votar em Tancredo do PMDB. Por outro lado, mirando um projeto de sociedade onde o povo é quem deve escolher seu próprio destino, não participar das eleições indiretas representou uma sinalização para a sociedade brasileira da radicalidade do compromisso do PT com a democracia. A diferença das leituras, naquela época, foi o horizonte temporal. O PT de 1985 apostou no médio prazo e, como sabemos, acertou.
Em 7 de junho, foi lançada a Frente Ampla Nacional por Diretas Já com um amplo espectro político onde estão praticamente todas as forças políticas democráticas e populares do Brasil. Couberam, nesta Frente Ampla, desde os setores progressistas do PSB e PDT, passando pelos movimentos sociais nacionais, as centrais sindicais, a CNBB, o CONIC, o PCdoB, o PT e PSOL e os setores mais radicalizados dos movimentos sociais. Historicamente, foi um momento importante porque selou a unidade que vimos construindo ao longo destes últimos dozes meses na luta contra o golpe, contra a retirada de direitos e todos os retrocessos.
No debate, no entanto, a unidade foi possível nos limites das Diretas Já. Isto porque, embora a maioria dos movimentos sociais vejam no Congresso o espaço onde está ancorado o golpe e a agenda de retirada de direitos, há setores, em especial aqueles compostos pelos partidos, que identificam o golpe apenas pela destituição da presidenta Dilma. Ignoram que, este Congresso foi eleito com pesados investimentos das grandes empresas que capturaram a democracia tomando de assalto as instituições democráticas. Por isso, não há espaço para saídas verdadeiramente democráticas fora da devolução do poder de decisão ao povo brasileiro.
Senão vejamos: o “Volta Dilma” é uma bandeira correta, por outro lado, o retorno da presidente dentro do contexto de composição do Congresso e do Poder Judiciário não nos indica que represente mudanças estruturais. Os longos meses de luta contra o impedimento e que, como sabemos, não foram capazes de revertê-lo, indicam que Dilma novamente no Palácio do Planalto não representaria uma retomada das agendas sociais e, provavelmente, não iria além de uma desforra moral com os golpistas.
Da mesma forma, a bandeira da antecipação das eleições diretas, embora igualmente correta por ser um antídoto contra os acordos entorno das eleições indiretas no Congresso, na prática não indica para mudanças estruturais, isto porque, elegendo um ou uma nova presidência sem mexer no Congresso, novamente retornamos ao mesmo ponto onde, a pessoa eleita terá que compor com as bancadas da Odebrecht, da JBS, do Banco Itaú, dos usineiros, da Bancada da bala, da bíblia e do boi, etc., composições estas que somente ocorrerão nos marcos dos interesses destes poderosos grupos econômicos.
Neste sentido, mudança real somente podem ocorrer com eleições gerais e para uma Constituinte exclusiva, no sentido de que todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição Brasileira. Desta forma, está expresso nos princípios constitucionais que o poder popular é uma delegação aos representantes que pode ser revogada. A saída portanto, é devolver a decisão para que o ao povo decida sobre o desfecho da crise institucional, econômica, política e social que estamos inseridos. Se esta proposta tem ou não capacidade de ser efetivada, só o tempo dirá. O que não parece correto é abortar as possibilidades históricas tentando compor uma aliança com aqueles que historicamente impõe uma agenda de retrocessos.
Como dito no inicio deste texto, a campanha das Diretas Já de 1984 não foi taticamente vitoriosa, mas demonstrou-se uma potente referência política que nos acompanha até os dias de hoje. Já nas mobilizações de 2013, parte importante da população brasileira, em especial da juventude, foi às ruas pedir mudanças. Muitos daqueles jovens reivindicavam maior espaço de participação e a ampliação do controle popular sobre políticas públicas como os transportes, a educação, a saúde e os espaços coletivos. Infelizmente, por motivos que não cabem aqui aprofundar, aquelas manifestações rapidamente se tornaram contra o governo e foram capturadas pela direita.
Em relação as mobilizações o que nos interessa é que aquele sentimento de mudanças ainda está latente na base social brasileira. Neste sentido, defender uma proposta mais radical talvez não garanta as possibilidade de uma vitória no curto prazo; no entanto, certamente sinaliza para a classe trabalhadora um horizonte estratégico que, se concretizado, terá resultados melhores e mais duradouros na luta por direitos.
E qual a sinalização que estaremos fazendo. Ora, de que sem mudanças estruturais os mecanismos que geram e aprofundam as desigualdades irão continuar gerando seus efeitos. E, para que hajam mudanças reais, é preciso primeiro uma reforma política e, na continuidade, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma do sistema judiciário, a democratização dos meios de comunicação e a reforma do sistema tributário.
Por isso que nossa bandeira, neste momento de crise, poderia ser por eleições gerais, com uma Constituinte exclusiva, as únicas formas de realmente manter e conquistar nossos direitos e ampliar a democracia.
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