Xadrez da marmelada do tríplex de Lula
Talvez a rapaziada seguidora da novilíngua da Internet não saiba o significado da palavra “marmelada” – não o doce. Significa combinar de forma desonesta com o adversário o resultado final.
Entenda como se montou a marmelada do tríplex de Guarujá – cuja propriedade é atribuída a Lula.
O maior abuso cometido hoje em dia contra o Estado
de Direito é o instituto da delação premiada. É escandalosa a
sem-cerimônia com que a delação é manipulada pela Lava Jato, pelo PGR
Rodrigo Janot e pelo juiz Sérgio Moro. É o maior argumento em defesa da
Lei Antiabuso.
Em um processo, há os dois lados: a acusação e a defesa. E o juiz arbitrando o jogo.
Na teoria, o procurador não é exclusivamente a
pessoa da acusação, mas o que busca a verdade. Só na teoria. Na prática,
é como o delegado que não quer estragar um grande caso descobrindo a
inocência do réu, ou o jornalista que não quer estragar a manchete com
dúvidas sobre a culpa do suspeito.
O MPF só aceita a delação de quem diz o que ele,
procurador, quer ouvir. O réu não pode dizer mentiras factuais. Mas nada
impede que avance em ilações falsas sobre fatos – que é uma forma mais
inimputável de mentir – ou afirmações não comprováveis e que, por isso
mesmo, podem ser manipuladas ao seu gosto. O melhor, ao gosto do
procurador.
Vamos entender melhor esse jogo de Léo Pinheiro,
ex-presidente da OAS, com a Lava Jato-Procurador Geral da República.
Esta semana, Léo declarou que Lula é o verdadeiro proprietário do
tríplex de Guarujá, apesar dos advogados de Lula terem mostrado
escrituras comprovando que a OAS continua como única proprietária do
tríplex
Lance 1 – a armação para pressionar Pinheiro e mudar a versão
O lance Léo Pinheiro foi cantado no dia 29 de agosto do passado ((https://goo.gl/Pt4xbA),
quando o Procurador Geral Rodrigo Janot intempestivamente suspendeu as
negociações para a delação com base em um motivo ridiculamente primário:
uma denúncia anódina contra o Ministro Dias Toffolli, publicado pela
revista Veja, e imediatamente atribuída por Janot a Léo – sem nenhuma
comprovação.
A delação de Pinheiro comprometia fundamentalmente
os governos de Geraldo Alckmin e José Serra, relatando o sistema de
propinas em obras públicas estaduais. Até então, o que se sabia das
delações da Odebrecht é que se limitavam a relatar financiamentos de
campanha por caixa 2 e que Léo Pinheiro avançaria expondo sistemas de
propinas.
Escrevi na época:
“Versão 1
– o PGR acusou advogados da OAS de terem vazado parte do pré-documento
de delação de Léo Pinheiro, com o intuito de pressionar para que a
delação fosse aceita. (...) A versão não se sustenta porque, além de ser
ilógica – é evidente que o vazamento comprometeria a delação (...)
Versão 2
– imediatamente Janot suspendeu as negociações para a aceitação da
delação do presidente da OAS, Léo Pinheiro. Para justificar a não tomada
de decisão ante as 17 delações anteriores vazadas, alegou que a de
Toffoli era diferente, porque a informação não existia. Ou seja, tratou
drasticamente um vazamento irrelevante (porque, segundo ele, de fatos
que não existiam) e com condescendência vazamentos graves.
Na atual edição de Veja,
tenta-se emplacar uma nova versão: a de que o anexo (com o suposto
vazamento) existia, mas não constava da pré-delação formalizada. Como
fica, então, o argumento invocado para livrar os procuradores da
suspeita de vazamento?
(...) No dia 11 de agosto passado, a sempre atilada Mônica Bérgamo deu pistas importantes para entender os últimos episódios (http://migre.me/uMCbH)”
“A revelação feita pela Odebrecht sobre dinheiro de caixa dois para o PMDB, a pedido de Michel Temer, e para o tucano José Serra (PSDB-SP)
tem impacto noticioso, mas foi recebida com alívio por aliados de
ambos. Como estão, os relatos poupam os personagens de serem enquadrados
em acusações mais graves, como corrupção e formação de quadrilha.
(...) Neste final de semana, Veja traz o conteúdo total da pré-delação de Léo Pinheiro.
Há
informações seguras de pelo menos um depósito na conta de Verônica
Serra. Esse depósito não aparece na pré-delação da OAS divulgada pela Veja. Talvez apareça mais à frente, quando se avançar sobre os sistemas de offshore”.
Há a necessidade de ler a íntegra da próxima
delação de Pinheiro, para uma avaliação melhor sobre a maneira como
relatará os esquemas de São Paulo. Mas é fora de dúvida de que, para
conseguir se livrar da prisão, Léo Pinheiro teve que se propor a
entregar Lula.
Esta semana, as informações sobre o tríplex de
Guarujá foram prestadas por ele ainda sem constar do acordo de delação.
Mas, antes do início do depoimento, fontes da Lava Jato já antecipavam
seu conteúdo, o que significa que já haviam chegado a um entendimento,
visando o objetivo central da operação: inviabilizar a candidatura de
Lula para 2018.
Lance 2 – a ideia fixa do tríplex
No depoimento prestado a Moro, Pinheiro faz um relato inverossímil das ligações com Lula.
Dizer que financiou o PT é verossímil, assim como o
apoio dado ao Instituto Lula. É verossímil também que teria aceitado
assumir o edifício do tríplex, por saber que o casal Lula tinha uma cota
em seu nome. Afinal, quem não gostaria de ter um edifício tendo como um
dos proprietários de imóvel um ex-presidente da República. É igualmente
verossímil que tenha convidado o casal Lula-Marise a visitar o
edifício, para ver se se interessavam pelo apartamento.
A partir daí, não há um elemento sequer que
comprove que Lula ficou com o tríplex. Lula declarou ter visitado o
edifício, não ter gostado do apartamento e não ter ficado com ele.
Há uma montanha de testemunhas e documentos comprovando que a OAS permaneceu como proprietária do edifício.
Mas os brilhantes Sherlocks da Lava Jato
transformaram o tríplex em questão de honra. Como é um caso mais ao
alcance do chamado telespectador comum, a comprovação da posse do
tríplex tornou-se uma obsessão.
Por conta dessa obsessão, já quebraram a cara ao
descobrir que estava em nome de uma conta do escritório Mossak Fonseca.
Promoveram o maior alarido, invadiram o escritório da Mossak, acessaram
seu banco de dados e levaram duas pancadas simultâneas. A primeira, a
constatação de que a offshore dona do tríplex era da OAS mesmo; a
segunda, ao descobrir uma offshore de propriedade da família Marinho, da
Globo.
Numa só tacada inocentaram o alvo e comprometeram o aliado.
Foi um custo varrer o elefante para baixo do tapete.
Lance 3 – a encomenda entregue por Pinheiro
Agora, Léo Pinheiro aparentemente cedeu e entregou a encomenda pedida.
Mas há um jogo curioso montado.
De um lado, deu declarações que, sem provas, não têm o menor valor penal. As provas, segundo antecipou o jornal O Globo, são terrivelmente ridículas: comprovações de
reuniões com Lula, de telefonemas a funcionários do Instituto Cidadania.
Junto, as delirantes provas colhidas pelos Sherlocks da Lava Jato que
identificaram quatro (!) viagens em um ano de carros do Instituto até
Guarujá.
Fica-se assim, então:
1. As
declarações de Pinheiro garantem alguns dias de cobertura intensiva no
Jornal Nacional, preparando o ambiente para uma próxima condenação de
Lula.
2. Mas
Pinheiro não entrega nenhuma prova comprometedora contra Lula, nem no
caso do tríplex (que não deve ter mesmo), nem em nenhum outro caso
relevante.
Além disso, o Código Penal proíbe que uma pessoa
seja julgada duas vezes pela mesma acusação. E o caso do tríplex já foi
julgado e anulado pela Justiça estadual de São Paulo, apresentada pelos
procuradores estaduais.
Ou seja, a grande armação visando ou a prisão ou acelerar a condenação de Lula é ridiculamente frágil.
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