14 de maio de 2016

Dilma foi injustiçada; justiça seja feita a Cardozo, por Fábio de Oliveira Ribeiro


Durante o discurso que fez ao ser deposta pelo golpe de estado, Dilma Rousseff disse emocionada que não há maior injustiça do que condenar uma pessoa inocente. Ela está rigorosamente certa.

Quando foi governador de Minas Gerais, Antonio Anastásia também deu pedaladas fiscais porque as considerava legais. Ele não poderia julgar ilegais atos idênticos aos dele só porque faz oposição a Dilma Rousseff. Ao aprovar o relatório do pedaleiro Anastásia, o Senado Federal elevou a hipocrisia ao status de fundamento jurídico do seu relatório. Injustiça maior não poderia ser cometida.

Num dos momentos mais inspirados de sua obra, Piero Calamandrei disse que:

“A injustiça envenena até mesmo em doses homeopáticas.” (Eles os Juízes, vistos por um Advogado, Martins Fontes, São Paulo, 2015, p. 226).

A injustiça cometida contra Dilma Rousseff custará caro ao Senado Federal, ao STF e ao próprio Antonio Anastásia. Enquanto o Brasil for Brasil e mesmo depois que o país deixar de existir eles terão que carregar esta mácula. Sempre haverá quem levantará a voz para lembrar a injustiça cometida contra Dilma Rousseff. Enquanto eu estiver vivo eu mesmo farei isto.

A irresponsável condenação da presidenta que praticou atos idênticos aos que foram praticados pelo seu algoz revela a verdadeira natureza da injustiça cometida pelo Senado Federal. Anastásia, o relator do Impedimento, foi hipócrita. Mas ele era apenas um entre vários julgadores e a maioria dos senadores aprovou o relatório dele anestesiando as próprias consciências. É evidente que eles pretendiam julgar Dilma Rousseff de forma responsável e com base em critérios justos.

Nossa presidenta foi sumariamente executada não porque cometeu crimes, mas justamente porque não os cometeu. Impossível esquecer o vício de origem do Impedimento. O processo só começou porque Dilma Rousseff se recusou a garantir o mandato parlamentar de Eduardo Cunha na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados.

Impossível não lembrar aqui as palavras de Hannah Arendt:

“...o maior mal perpetrado é o mal cometido por Ninguém, isto é, por um ser humano que se recusa a ser uma pessoa. Dentro da estrutura conceitual dessas considerações poderíamos dizer que o malfeitor que se recusa a pensar por si mesmo no que está fazendo e que, em retrospectiva, também se recusa a pensar sobre o que faz, isto é, a voltar e lembrar o que fez (que é teshuvah, isto é arrependimento), realmente deixou de se constituir como alguém. Permanecendo teimosamente um ninguém, ele se revela inadequado para o relacionamento com os outros que, bons, maus ou indiferentes, são no mínimo pessoas.” (Responsabilidade e Julgamento, Hannah Arendt, Companhia das Letras, São Paulo, 2004, p. 177)

A imortalidade histórica da mácula que a injusta condenação de Sócrates impõe aos juízes dele - 25 séculos depois que o filósofo ateniense tomou cicuta - deveria servir de alerta para todos aqueles que estão prestes a cometer o mesmo erro. Mas não foi isto o que ocorreu no Brasil. Como seu duplo da antiguidade clássica, Dilma Rousseff também foi deliberadamente injustiçada. De hoje em diante todos aqueles que a condenaram poderão ser e certamente serão chamados de Ninguém.

Ao condenar Dilma Rousseff inspirado pelo ódio partidário e com base na hipocrisia, o senador Anastásia elevou-a à condição de mártir e se rebaixou à condição de verdugo deplorável. Doravante, sempre que defender e justificar a injustiça evidente que cometeu, o ex-governador de Minas Gerais se tornará mais repugnante aos olhos dos brasileiros que, bons, maus ou indiferentes, se recusam a aceitar o detestável exemplo que ele deu ao deixar de agir como uma pessoa. O mesmo ocorrerá com todos os senadores que irresponsavelmente fuzilaram uma presidenta inocente.

Em comentário postado no GGN há algum tempo disse algo que infelizmente acabou se concretizando:



http://jornalggn.com.br/noticia/cardozo-o-ministro-que-treme

O martírio de Dilma Rousseff foi capaz, entretanto, de revelar as melhores qualidades do Advogado Geral da União por ela nomeado. Tanto na Câmara quanto no Senado, meu colega de profissão José Eduardo Martins Cardoso defendeu a presidenta, a legalidade democrática, o Estado de Direito e a higidez da CF/88 com evidente maestria. Cardoso perdeu o emprego sim, mas não deixou de fazer história.

Mesmo sabendo que enfrentaria as consciências silenciadas de senadores irresponsáveis que já haviam decidido derrubar a presidenta independentemente de ela ter ou não cometido crime de responsabilidade, Eduardo Cardoso cumpriu com denodo sua missão. Polido e cortes, ele apresentou argumentos racionais irrefutáveis contra a aprovação do Impedimento. Ao fazer isto, o Advogado Geral da União desnudou a injustiça que seria cometida antes mesmo da condenação.

Hostilizado no Senado, Eduardo Cardoso soube manter a compostura e não se deixou impressionar pelas bofetadas que recebeu de homens desprezíveis como senador Ronaldo Caiado. Ao assistir pela internet os pronunciamentos do AGU na Câmara e no Senado lembrei-me das palavras de Piero Calamandrei:

“O advogado deve estar disposto a levar até mesmo bofetadas do juiz, contando que, no fim das contas, consiga obter para os seus pobres o óbulo da justiça.” (Eles os Juízes, vistos por um Advogado, Martins Fontes, São Paulo, 2015, p. 168).

Dilma Rousseff não encontrou justiça no Senado e provavelmente não a encontrará no STF. Talvez a encontre na OEA, mas nós todos sabemos que as decisões da OEA não podem ser impostas à força ao Brasil. A história, contudo, certamente fará justiça à presidenta deposta pelo golpe de estado vil que reintroduziu a tirania em nosso país. E quanto isto ocorrer o nome de Eduardo Cardoso certamente receberá um destaque e um brilho que jamais será associado aos advogados que assinaram o pedido de Impedimento despachado pelo bandido que presidia a Câmara dos Deputados.

Espero que o ilustre colega Eduardo Cardoso não considere minhas palavras elogiosas como frutos que foram envenenados por alguém inclinado à adulação interesseira. De fato, a fabulosa atuação dele na fase final do golpe de estado me obrigou a reavaliar o comentário que postei no GGN quando ele era Ministro da Justiça:



http://jornalggn.com.br/comment/832007

Arrependido, faço aqui um mea culpa para atribui a Eduardo Cardoso, com justiça, o reconhecimento que ele merece. Os senadores ainda podem se arrepender do mal maior que cometeram. Mas eu não espero que eles sigam meu exemplo. Aqueles que afundaram na hipocrisia e no partidarismo raramente se dão ao trabalho de tentar recuperar consciências que há muito tempo foram vendidas a peso de ouro.

do Jornal GGN

Nenhum comentário:

Postar um comentário