22 de novembro de 2015

No dia dos seus 90 anos, morre a líder guerrilheira Zilda Xavier Pereira

Iara, Arnaldinho e Zilda, no exílio
Uma das mais importantes militantes da luta armada contra a ditadura, Zilda Xavier Pereira morreu hoje em Brasília. Ela integrou o comando da Ação Libertadora Nacional, maior organização guerrilheira do país. Seus filhos Iuri e Alex Xavier Pereira, também guerrilheiros, foram assassinados por agentes da ditadura. Zilda foi companheira de militância e de amor do revolucionário Carlos Marighella.

Filha de pai ferroviário e mãe dona de casa de origem camponesa, Zilda Paula Xavier Pereira nasceu no Recife em 22 de novembro de 1925.

Na manhã deste domingo, 22 de novembro de 2015, Zilda se foi pouco depois das oito da manhã. No dia cravado em que completava 90 anos.

E que 90 anos.

Em maio de 1945, recém-chegada ao Rio, Zilda incorporou-se ao Partido Comunista.

O PCB foi declarado ilegal em maio de 1947, e ela adotou o nome de guerra Zélia, reverência à sua camarada Zélia Magalhães, assassinada a bala por policiais em outro maio, do ano anterior, quando participava de um protesto no largo da Carioca.

Zilda foi uma das dirigentes da Liga Feminina da Guanabara, de incontáveis batalhas, até a associação ser banida pelo golpe de Estado de 1964.

Na casa dela, Carlos Marighella se reuniu com sargentos antes do encontro deles com o presidente João Goulart, em 30 de março daquele ano.

Em 1967, Zilda, o ex-marido e os filhos acompanharam Marighella na ruptura com o PCB.

A família foi pioneira da Ação Libertadora Nacional. No Rio, a ALN se estruturou em torno dos Xavier Pereira.

Eram guerrilheiros, empenhados nas ações armadas e na logística da ALN, Zilda, seu ex-marido, João Batista, e os filhos Iuri, Alex e Iara. Todos Xavier Pereira.

Com quem estavam os guerrilheiros Marighella e Virgílio Gomes da Silva quando compraram um Fusca para usar no assalto ao carro pagador do Instituto de Previdência do Estado da Guanabara? Com Zilda, cuja identidade na ALN era Carmem. Marighella foi visto na ação, em novembro de 1968, e acabou na capa da “Veja''.

Depois de abril de 1964, é possível que ninguém tenha passado tanto tempo com Marighella quanto Zilda. O último “aparelho'' dos dois, no bairro carioca de Todos os Santos, jamais foi descoberto pelos beleguins da ditadura. Quem zelava pela segurança de Marighella na clandestinidade? Zilda.

O clip dos Racionais sobre Marighella, “Mil faces de um homem leal'', veicula declarações dele em conversa com uma moça. A voz é da então adolescente Iara. Onde ocorreu a gravação? No “aparelho'' montado por Zilda.

Como essa fita sobreviveu? Porque Zilda a levou para o estrangeiro, onde a gravação foi anexada ao arquivo do célebre comunista Astrogildo Pereira.

Das pessoas que eu conheci, poucas tiveram perdas como Zilda.

Ela perdeu Marighella em 4 de novembro de 1969, quando o guerrilheiro que incendiou o mundo foi fuzilado em São Paulo _Zilda estava no exterior.

Zilda parte no aniversário dos 90. Sua saúde tinha se agravado 18 dias atrás, em 4 de novembro, quando foi vítima de paradas cardíaca e respiratória. Justo nos 46 anos da morte de Marighella.

No finzinho de janeiro de 1970, prenderam Zilda no Rio. Torturaram-na à exaustão, e nenhuma informação lhe arrancaram _a leitura do seu depoimento no Exército emociona até almas brutas. No futuro, ela diria que guardou seus segredos para honrar a memória de Marighella: “Eu via o Marighella na minha frente. Pensava: 'Carlos Marighella não é homem para ser traído, eu jamais trairei Carlos Marighella'.''

As dores nos joelhos, decorrentes do pau-de-arara, infernizaram-lhe até o fim da vida. Com ajuda de companheiros e amigos, Zilda escapou do hospital em que a haviam internado, depois da simulação de surto de insanidade. Era 1º de maio de 1970, e ela só regressaria do exílio em 1979.

Quando Zilda estava fora do Brasil, esbirros da ditadura mataram seu filho Alex, 22.

Em seguida, Iuri, 23.

Não demorou, e foi a vez do companheiro de Iara, que estava grávida, o guerrilheiro Arnaldo Cardoso Rocha, 23.

Arnaldo não teve tempo de conhecer o filho, Arnaldinho. Já rapaz, o neto de Zilda morreu num acidente de carro.

Zilda sobreviveu às dores. Nunca mais pertenceu a partido algum. “Minhas organizações foram duas, o PCB e a ALN'', costumava me dizer.

Como escrevi em livro, se informação equivale a poder, Zilda foi um dos três dirigentes mais poderosos da ALN, junto com Marighella e o jornalista Joaquim Câmara Ferreira.

A vida vai passar, não sei se chegarei aos 90 anos da Zilda. Mas sei que não esquecerei a generosidade dela. Não me conhecia, mas me recebeu de braços abertos para contar sua história e as histórias de tanta gente. Em troca de nada, sem nem ao menos perguntar o que eu pensava dela, de suas ideias e de suas devoções. Minha gratidão eterna, Zilda.

Não é preciso concordar com Zilda ou discordar dela para admirar a dignidade com que foi à luta. De família pobre, estudou até o equivalente hoje ao quinto ano do ensino fundamental. Compensou a escassa formação com suas virtudes de inteligência, intuição e destemor.

Comovido com a coragem da mãe na cadeia, Iuri lhe remeteu uma carta: “Não nos dizemos adeus porque em verdade, estando integrados em uma luta assim, por mais distantes que estivermos, estaremos ombro a ombro sempre. E aconteça o que acontecer, todo ato que um realize será também a ação do outro. […] Um beijo do companheiro-filho (filho-companheiro) à companheira-mãe (mãe-companheira)''.

P.S.: o velório de Zilda Xavier Pereira começará às 13h30 desta segunda-feira, na capela 5 do cemitério Campo da Esperança, em Brasília. O sepultamento está marcado para as 15h.
 Mário Magalhães nasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. Recebeu mais de 20 prêmios. É autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.

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