Ao longo da sua história, a emissora se tornou especialista em noticiar apenas o que interessa aos donos do poder
A Rede Globo completa, neste domingo (26), 50 anos de existência com vários atos organizados pelos movimentos populares em todo o país em “descomemoração”. O site da UNE preparou uma série de reportagens especiais sobre o papel da empresa na história política do Brasil, a sua relação com a ditadura civil-militar e a barreira que ela impõe à democratização da comunicação. Leia aqui a segunda parte.
Junto do seu crescimento nos anos de chumbo, alcançando praticamente
todos os televisores do país, a Rede Globo passou a controlar a opinião
pública brasileira em interesse próprio. “A forma como a emissora
historicamente inviabiliza algumas pautas, dando a entender que a
sociedade tem apenas um caminho a seguir, vai manobrando a informação
púbica da forma como bem entender”, coloca o coordenador do coletivo Intervozes, Pedro Ekman.
Durante a ditadura, a empresa colaborou com uma cobertura seletiva
dos fatos, “noticiando apenas o que interessava ao governo”, afirma a
pesquisadora Beatriz Kushnir, autora do livro “Cães de Guarda –
Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988”. O programa
“Amaral Neto, o Repórter”, por exemplo, ocupou por 15 anos (1968-1983)
espaço na grade do canal enaltecendo as ações do governo.
A parceria era tanta, explica Kushnir, que o grupo de mídia escapou
da censura até 1975, quando a novela Roque Santeiro foi proibida na
véspera da estreia. “A partir de então, a Rede Globo institui o chamado
‘controle de qualidade’, no qual jornalistas aposentados eram
responsáveis por fazer uma censura interna e evitar cortes que poderiam
causar prejuízos econômicos. A autocensura só viria acabar no final dos
anos 1990”, conta a historiadora.
MENTIRA POUCA É BOBAGEM
“Depois da ditadura, a Globo manteve o mesmo papel de defender a
elite, mas com uma roupagem diferente. A opinião da emissora se torna
mais ou menos explicita a depender do momento politico pelo qual o país
passa”, observa Renata Mielli, que além de integrar o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação, é diretora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Segundo Mielli, durante a redemocratização do país, quando os
movimentos populares, especialmente o sindical e o estudantil, se
fortaleciam politicamente e ameaçavam o poder instituído, o canal agiu
abertamente para defender a manutenção do status quo. Dois momentos
ficaram marcados como flagrantes casos de manipulação da opinião
pública.
A Globo tentou esconder o comício das Diretas Já, em 25 de janeiro de
1984, na praça da Sé, noticiando ser uma festa em comemoração aos 430
anos de São Paulo. Durante a campanha presidencial de 1989, a emissora
favoreceu o candidato Fernando Collor na edição do debate com Lula.
“Aquele debate foi o tiro de misericórdia”, pontua Mielli. Anos mais
tarde, o canal chegou a admitir a manipulação.
Para o advogado Renan Quinalha, membro da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo,
a influência da Globo foi decisiva na construção da narrativa sobre o
período de redemocratização. “A Globo controlou o processo de transição e
criou um senso comum que respalda a narrativa da conciliação e não
corresponde aos anseios dos movimentos sociais da época. O caso das
Diretas Já e da eleição de 89 foram momentos chaves deste período em que
a emissora teve uma atuação política muito grande”, destaca o jurista.
COM QUE ROUPA EU VOU
O jornalista Rodrigo Vianna, que trabalhou na Globo durante os anos
1990 e 2000, observa que a empresa foi sofisticando a forma de pautar a
sociedade neste período, tentando construir uma imagem mais neutra e
plural. “Após a eleição de 2002, no entanto, volta ao velho hábito e se
torna o principal núcleo de oposição aos governos Lula e Dilma”, avalia o
blogueiro. “Eles são ainda mais nocivos justamente porquê tem qualidade. Atuam como um partido e deveriam ser tratado dessa forma.”
Para o ex-repórter da emissora, a Globo teve ainda um papel
escandaloso ao manipular as manifestações de junho de 2013 e de março de
2015 para jogar a população contra o governo. Em 2013, ficou famoso o
caso em que o comentarista da emissora, Arnaldo Jabor, mudou de opinião
após a violência policial ter tornado os protestos de “revoltosos da
classe média” contra o preço da tarifa do ônibus em um movimento de
massa nacional.
“Tanto em 2013 quanto em 2015, a Globo manipulou para vender os atos
como se fossem apenas contra a corrupção e a favor da democracia. No dia
15 de março, os repórteres da emissora convocavam abertamente as
pessoas para ir para a Avenida Paulista. Ironicamente, esconderam as
pessoas que foram às ruas pedir o golpe e o retorno da ditadura. A Globo
preferiu mostrar que era um ato da família brasileira”, observa
Vianna.
O diretor de comunicação da UNE, Thiago José, vê esse comportamento
da Globo como uma ameaça à democracia. “A informação veiculada pela
grande mídia, muitas vezes manipulada e inverídica, virou munição para
os setores conservadores, contribuindo para a desestabilização da
democracia brasileira”, afirma o dirigente da entidade.
União Nacional dos Estudantes - UNE
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