A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) e os comentaristas da “grande
imprensa” estão tão satisfeitos uns com os outros e tão felizes com a
história que montaram sobre o “mensalão” que nem sequer se preocupam com
seus furos e inconsistências.
Para os cidadãos comuns, é daquelas que só fazem sentido quando não
se tem muito interesse e basta o que os americanos chamam de big picture. Quando, por preguiça ou preconceito, ficam satisfeitos com o que acham que sabem, mesmo que seja apenas uma “impressão geral”.
A história faz água por todos os lados.
Se fosse preciso apresentá-la de forma simplificada (e dispensando as
adjetivações raivosas típicas dos comentaristas de direita), ela conta
que José Dirceu e José Genoino criaram um “esquema” entre 2004 e 2005
para desviar recursos públicos, comprar votos no Congresso e assim
“perpetuar o PT no poder”. Para secundá-los, teriam montado uma
“quadrilha”.
Mas, e se alguém quisesse entendê-la melhor? Se perguntasse, por
exemplo, em que sentido a noção de recursos públicos é usada? Se fosse
além, tentando perceber o que os responsáveis pelo plano fariam com os
votos que pagassem? Se solicitasse uma explicação a respeito de nosso
sistema político, para compreender a que esse apoio serviria?
Em qualquer lugar do mundo, a ideia de “desvio”
implica a caracterização inequívoca da origem pública e da destinação
privada do dinheiro. Alguém, indivíduo ou grupo, precisa ganhar – ou
querer ganhar – valores surrupiados do Tesouro. Senão, o caso muda de
tipificação e passa a ser de incompetência.
A história do “mensalão” não faz sentido desde o primeiro postulado.
Só com imensa forçação de barra se podem considerar públicos os recursos
originados da conta de propaganda do Visanet, como demonstra qualquer
auditoria minimamente correta.
A tese da compra de apoio parlamentar é tão frágil quanto a anterior.
O que anos de investigações revelaram foi que a quase totalidade dos
recursos movimentados no “mensalão” se destinou a ressarcir despesas
partidárias, eleitorais ou administrativas, do PT.
Todos sabemos – pois os réus o admitiram desde o início – que a
arrecadação foi irregular e não contabilizada. Que houve ilegalidade no
modo como os recursos foram distribuídos. Só quem vive no mundo da lua
ou finge que lá habita imagina, no entanto, que práticas como essas são
raras em nosso sistema político. O que não é desculpa, mas as
contextualiza no mundo real, que existia antes, existiu durante e
continua a existir depois que o “mensalão” veio à tona.
A parte menos importante desses recursos, aquela que políticos de
outros partidos teriam recebido “vendendo apoio”, é a peça-chave de toda
a história que estamos ouvindo. É a única razão para condenações a
penas absurdamente longas.
Não há demonstração no processo de que Dirceu e Genoino tivessem
comprado votos no interesse do governo. Simplesmente não é assim que as
coisas funcionam no padrão brasileiro de relacionamento entre o
Executivo e o Congresso. Que o digam todos os presidentes desde a
redemocratização.
Os dois líderes petistas queriam votos para aprovar a
reforma da Previdência Social? A reforma tributária? É possível, mas
nada comprova que pagassem parlamentares para que o Brasil se
modernizasse e melhorasse.
A elucubração mais absurda é de que tudo tinha o objetivo escuso de
“assegurar a permanência do PT no poder” (como se esse não fosse um
objetivo perfeitamente legítimo dos partidos políticos!).
Os deputados da oposição que ficaram do lado do governo nessas
votações são uma resposta à fantasia. Votaram de acordo com suas
convicções, sem dar a mínima importância a lendas sobre “planos petistas
maquiavélicos”.
E o bom senso leva a outra pergunta. Alguém, em sã consciência, acha
que o resultado da eleição presidencial de 2006 estava sendo ali jogado?
Que a meia dúzia de votos sendo hipoteticamente “comprados” conduziria à
reeleição?
O que garante a continuidade de um governo é o voto popular, que
pouco tem a ver com maiorias congressuais. E a vitória de Lula mostra
quão irrelevante era o tal “esquema do mensalão”, pois veio depois do
episódio e apesar do escândalo no seu entorno.
Os ministros da Suprema Corte, a PGR e seus amigos se confundiram. A
vez de comprar votos na Câmara para permanecer no poder tinha sido
outra. Mais exatamente acontecera em 1997, quando, sob sua benevolente
complacência, a emenda da reeleição foi aprovada.
Por Marcos Coimbra na Carta Capital
Veja também:
"Mensalão não existiu"
"Não houve desvio de dinheiro público"
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