Carta da escritora Luciana Hidalgo dirigida a Lula:
"você fez uma revolução"
Para o jornal World Center-5 de maio de 2018
Querido presidente,
O que o senhor fez no Brasil foi uma revolução. Não uma Revolução Francesa, que guilhotinou cabeças da realeza para exigir na marra liberdade, igualdade, fraternidade. Não, o senhor não cortou cabeças, nem expulsou ricos de suas propriedades privadas como a Revolução Russa, tampouco roubou a poupança das classes abastadas (como aquele presidente eleito no Brasil em 1989 roubou). O senhor manteve as elites ricas e contentes, mas foi mexendo dia após dia nos mecanismos de poder que excluíam perversamente os pobres da nossa sociedade e negavam o que todo país decente deveria garantir: sua cidadania, isto é, sua dignidade.
O que o senhor fez no Brasil foi uma revolução. Não uma Revolução Francesa, que guilhotinou cabeças da realeza para exigir na marra liberdade, igualdade, fraternidade. Não, o senhor não cortou cabeças, nem expulsou ricos de suas propriedades privadas como a Revolução Russa, tampouco roubou a poupança das classes abastadas (como aquele presidente eleito no Brasil em 1989 roubou). O senhor manteve as elites ricas e contentes, mas foi mexendo dia após dia nos mecanismos de poder que excluíam perversamente os pobres da nossa sociedade e negavam o que todo país decente deveria garantir: sua cidadania, isto é, sua dignidade.
Por isso, de início, querido presidente, seus microgestos, sutis, pouco
saíam nos jornais, mas abalavam gradativamente as estruturas viciosas do
poder. Sou leitora de Michel Foucault e atesto que o senhor fez genial e
intuitivamente, na prática, num país periférico e violento, muito do
que esse célebre filósofo francês teorizou sobre micropoder. O senhor
modificou, programa após programa, a microfísica do poder no Brasil.
Explico como: logo de início o senhor abriu crédito para ajudar pobres a comprar eletrodomésticos básicos; subsidiou a compra de tintas e materiais para que construíssem suas casas; criou o Banco Popular, ligado ao Banco do Brasil, permitindo que pobres tivessem conta em banco; levou iluminação elétrica aos recantos rurais mais atrasados pela escuridão (Luz para Todos); criou o Bolsa Família, tirando 36 milhões de brasileiros da miséria e obrigando seus filhos a voltar à escola; levou água para milhões de brasileiros que sofriam com a seca no interior semiárido (programa Cisternas, premiado pela ONU); inventou Minha Casa Minha Vida, distribuindo moradias Brasil afora; criou Farmácias Populares que vendiam medicamentos com descontos para a população de baixa renda; implementou cotas raciais e sociais em universidades, contribuindo para que jovens negros e/ou vindos de escolas públicas pudessem estudar e no futuro talvez escapar de serem assassinados nas ruas do Brasil; implantou o Prouni (Universidade Para Todos), oferecendo bolsas para alunos de baixa renda estudarem em faculdades particulares; aumentou o salário-mínimo acima da inflação; etc.
Explico como: logo de início o senhor abriu crédito para ajudar pobres a comprar eletrodomésticos básicos; subsidiou a compra de tintas e materiais para que construíssem suas casas; criou o Banco Popular, ligado ao Banco do Brasil, permitindo que pobres tivessem conta em banco; levou iluminação elétrica aos recantos rurais mais atrasados pela escuridão (Luz para Todos); criou o Bolsa Família, tirando 36 milhões de brasileiros da miséria e obrigando seus filhos a voltar à escola; levou água para milhões de brasileiros que sofriam com a seca no interior semiárido (programa Cisternas, premiado pela ONU); inventou Minha Casa Minha Vida, distribuindo moradias Brasil afora; criou Farmácias Populares que vendiam medicamentos com descontos para a população de baixa renda; implementou cotas raciais e sociais em universidades, contribuindo para que jovens negros e/ou vindos de escolas públicas pudessem estudar e no futuro talvez escapar de serem assassinados nas ruas do Brasil; implantou o Prouni (Universidade Para Todos), oferecendo bolsas para alunos de baixa renda estudarem em faculdades particulares; aumentou o salário-mínimo acima da inflação; etc.
Não me beneficiei pessoalmente de nenhum dos seus programas sociais,
querido presidente. Sou brasileira privilegiada, nascida numa classe
média da zona sul carioca. Fui jornalista nas maiores redações do Rio
(Jornal do Brasil, O Globo, O Dia), depois virei escritora (premiada com
dois Jabuti), fiz um doutorado e dois pós-doutorados em Literatura, na
Uerj e na Sorbonne. E é justamente por isso, por tudo o que li, vi e
aprendi, sobretudo na França onde morei durante anos, que posso dizer:
países europeus só se desenvolveram porque aplicaram e aplicam projetos
como os seus. Na França, por exemplo, o salário-mínimo é de uns R$ 4 mil
(graças a décadas de greves e manifestações de trabalhadores “vândalos”
por melhores salários); o seguro-desemprego dura de dois a três anos
para que o desempregado não caia na miséria; há “locações sociais” que
garantem moradia aos menos privilegiados; todos os remédios receitados
nos hospitais públicos são dados ou subsidiados pelo governo etc.
O problema, querido presidente, é que quando uma parte da elite
brasileira visita Paris, só vê a grande beleza. Finge não ver que aquela
beleza só se sustenta graças à aplicação justa de impostos. Sim, as
classes mais abastadas de lá têm consciência política, sabem que o
equilíbrio social depende delas. No Brasil não. Tem brasileiro que gasta
milhares de euros em turismo na França e na volta reclama dos R$ 300
dados mensalmente aos beneficiados do Bolsa Família.
Sim, querido presidente, é difícil entender a mentalidade desses que
frequentaram os melhores colégios particulares do Brasil. Até entendo,
já que eu mesma cursei um dos melhores colégios particulares do Rio e
não aprendi grande coisa. Lá não havia disciplinas como Literatura ou
Filosofia, por exemplo, que nos ajudariam a ter um pensamento mais
crítico. Que pena.
Só aprendi o que era o mundo quando comecei a encarar a miséria do meu
país de frente em vez de virar a cara ao passar por ela na rua. Ainda na
adolescência participei de um grupo que dava comida para os sem-teto no
Rio e pude ouvir suas comoventes histórias de vida. Depois virei
jornalista e passei a ouvir mais pessoas, das mais variadas origens, das
favelas, dos interiores, e suas justas reivindicações.
Portanto, saiba, querido presidente, que não só o povo beneficiado pelos
seus programas sociais está ao seu lado. Somos muitos escritores,
artistas, professores de escolas e universidades, pessoas premiadas, com
títulos, das mais diversas profissões. Justamente por termos lido tanto
(livros, não apenas jornais e revistas), viajado, justamente porque
conhecemos o Brasil profundo, entendemos a grandeza do que o senhor fez.
Nós também somos esse povo.
Aliás, há inúmeros políticos, historiadores, intelectuais estrangeiros
nas maiores universidades da Europa que também o admiram. E se
escandalizam, por exemplo, quando ouvem comentaristas brasileiros
dizerem de forma tão elitista que o eleitor de Lula é “povão”,
“nordestino”, “ignorante”, “petista”, “lulista”, “petralha”, “fanático”.
Intelectuais estrangeiros se chocam com a criminalização de pobres,
negros, índios e da própria esquerda no Brasil. E também se chocam
quando o xingam de “populista”, como se o senhor usasse o povo. Ora,
ora, mas o senhor é o povo.
No mais, querido presidente, não entrarei no mérito do seu julgamento.
Primeiro porque não acredito em condenação sem provas. Segundo porque
desde o golpe de 2016, que tirou do poder uma presidenta eleita pelo
povo, desde o dia em que ficou provado (e gravado!) o conluio entre os
Poderes “com o Supremo, com tudo”, não acredito mais nas nossas
instituições.
Claro que a Lava Jato é importantíssima para o país, mas o partidarismo
seletivo e o gosto pelo espetáculo a diminuem. Talvez por isso grandes
juristas estrangeiros têm apontado falhas absurdas no processo que o
condenou, querido presidente. Como disse o advogado inglês Geoffrey
Robertson em entrevista recente à BBC de Londres, “o Brasil tem um
sistema de acusação totalmente ultrapassado, em que o juiz que
investiga, supervisiona a investigação, é o mesmo que julga o caso – e
sem um júri!”. Outro jurista disse o mesmo num artigo no jornal The New
York Times. Enfim, como acreditar numa justiça personalista, que num
piscar de olhos pode beirar o justiçamento?
Nessas horas me lembro do que dizia Foucault: “Prender alguém, mantê-lo
na prisão, privá-lo de alimentação, de aquecimento, impedi-lo de sair,
de fazer amor, etc., é a manifestação de poder mais delirante que se
possa imaginar. (…) A prisão é o único lugar onde o poder pode se
manifestar em estado puro, em suas dimensões mais excessivas, e se
justificar como poder moral.”
Sabe, querido presidente, quando a perseguição ao senhor começou na
mídia, me lembrei do Betinho. Quase ninguém mais se lembra dele, o
sociólogo Herbert de Souza, que criou associações de combate à fome e de
pesquisa sobre a Aids nos anos 1990, quando os programas sociais do
Estado eram insignificantes. Pois bem, esse cara, que devia ser coroado
por seu esforço descomunal pelos pobres, um dia acordou sendo linchado
da forma mais violenta pela imprensa por ter recebido doações de
bicheiros. Os “puros” do país o atacaram de todos os lados, logo ele, “o
irmão do Henfil” ex-exilado, hemofílico e soropositivo, tão magrinho,
fiapo de gente, um dos poucos a combater a fome no Brasil. Mas não, para
os “puros”, nada do que ele fazia pelos pobres compensava esse grande
“erro”. Como se no Brasil houvesse dinheiro realmente “limpo”.
É, querido presidente, são assim os “puros”, os que não entendem a
complexidade das lutas, os que fecham os olhos para as falcatruas dos
ricos mas lincham o menino de rua da esquina, os que defendem uma ética
que eles próprios não têm no dia a dia, enrolados em seus conchavos,
compadrios, sonegações de impostos, corrupções de todo tipo. Das minhas
andanças pelos bastidores do poder, posso dizer: os “puros”, mal
acordam, já loteiam a alma.
É claro, querido presidente, que o senhor, além dos acertos, também
cometeu erros. Quem não erra? Confesso que no início do seu governo
estranhei, por exemplo, a sua aliança com a escória da política
brasileira (PMDB etc.). Mas logo entendi que sem isso nenhum, nenhum,
nenhum dos seus programas que revolucionaram o Brasil seria aprovado.
Não sem esse toma-lá-dá-cá, não sem o cafezinho com o inimigo. Sonho sim
com uma política pura, mas como, quando, se nunca, nunca, nunca foi
assim nesse país?
Não vou, portanto, enumerar seus erros porque seus acertos os superam
imensamente. Só a partir do seu governo entendi que a política pode
muito mais do que o assistencialismo. Enquanto meus amigos e eu dávamos
50 quentinhas numa noite aos sem-teto do Rio, o senhor, com nossos
votos, tirava milhões da miséria. Milhões de brasileiros.
O senhor acreditou antes de tudo na política, não em revoluções
sangrentas radicais, para mudar o Brasil. E mudou. Não sou “lulista” nem
“petista” (nunca me associei a partido algum), muito menos “petralha”.
Mas, graças ao senhor, agora eu e milhões de brasileiros passamos a
acreditar na política. E só por isso vale lutar.
Fico por aqui, no aguardo das eleições de outubro de 2018, quando um
presidente de esquerda retomará o rumo desse Brasil desgovernado pelo
conluio entre Poderes e onde, devido à corrupção, à leviandade e ao
partidarismo das instituições, ideias fascistas se proliferam como
bactérias.
Um grande abraço da
Com informações do Por Dentro... em Rosa
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